Eu sabia que o caminho seria ir até ao final da A5 e que depois existiria uma estrada de acesso a partir da marginal para o hotel. Para me facilitar este último pedaço tinha o GPS ligado. Íamos na A5 e parecia-me que ainda faltaria um pouco até ao final da A5 e o GPS mandou-me sair da A5... Saí e uma descida, duas rotundas e uma subida depois estava de novo na A5 para fazer os últimos quilômetros até ao seu final... Seria um prenúncio para o que se viria a seguir.
Desde há uns anos que eu e minha mulher temos uma tradição entre nós: pelos anos de cada um de nós quem faz anos paga o jantar (ou almoço) ao outro num bom restaurante. É uma extravagância que fazemos 2 duas vezes por ano que se tornou uma espécie de um jogo em que escondemos do outro a escolha até ao último minuto tentando surpreender o outro com a nossa escolha. Com esta brincadeira fomos conhecendo a maioria dos restaurantes de referência em Lisboa e arredores.
Já tinha ouvido falar do restaurante Ipsylon (Hotel The Oitavos) uma ou duas vezes mas ainda não me tinha despertado muita atenção até porque ainda parece estar um pouco fora do radar da crítica gastronômica lisboeta. Entretanto descobri dois artigos (parte 1 e parte 2) no blog lx@ddressbook de João Miguel Simões sobre este restaurante e pareceu-me prometedor. Decidi que seria lá que iria levar a Ana pelos meus anos.
A informação que tinha acerca do serviço aos jantares no restaurante é que a principal atração deste era o "Diner du Chef" que era um menu de 4 pratos preparado diariamente com base nos produtos da época e existentes nesse dia no mercado. Em alguma imprensa e blogues falava-se ainda na possibilidade de reservar a mesa do chef na cozinha beneficiando de um acompanhamento mais próximo por parte do chef. Quando fiz a reserva ainda tentei reservar a mesa do chef o que me disseram não ser possível nesse dia mas como me foi dito que o serviço na sala seria igual em termos de menu não vi qualquer inconveniente nisto.
A entrada no hotel e na "sala" do restaurante é um pouco desconcertante pois a receção fica no inicio de um longo corredor de paredes envidraçadas com a cozinha do lado esquerdo sendo possível ver toda a azafama da cozinha e as mesas estão espalhadas pelas laterais deste corredor.
Ultrapassada esta primeira surpresa fomos recebidos pela chefe de sala que prontamente nos acompanhava para a nossa mesa. Como o hotel tinha dois espaços com serviços diferentes o Restaurante e o Lounge fiz questão de frisar que a reserva que tinha era para o Restaurante e não para o Lounge. Aqui a chefe de sala deteve-se e disse-me que por estes dias só estavam a fazer o serviço do Lounge e que a opção do "Diner du Chef" só voltaria a estar disponível daqui a alguns dias embora com algumas alterações. O hotel tinha estado fechado durante o Ano Novo e tinham aproveitado a ocasião para fazer algumas alterações ao serviço e quem me aceitou a reserva não estaria a par destas alterações...
Por esta altura devo ter feito uma cara de pânico tão grande que a chefe de sala propôs que nos sentássemos no bar e dessemos uma vista de olhos à carta do Lounge enquanto ela falava como o chef para saber se seria possível fazer-nos um serviço como o "Diner du Chef" mesmo sem a preparação que é normal para estes menus. Olhei para a carta com algum desespero não porque a carta não parecesse prometedora mas porque vinha com uma expectativa que parecia estar-se a gorar.
A chefe de sala retornou e disse-nos que o chef estaria disponível para "improvisar" um menu na hora e fazer o serviço tal como estavam a fazer até ao final do ano. Podíamos ainda, se desejássemos comer na mesa do chef na cozinha. Ainda hesitamos em ir para a mesa do chef pois já nos iam fazer um serviço para o qual não estavam preparados e ainda iriamos "impor" a nossa presença na cozinha. Mas como poderia ser uma boa oportunidade para usufruir de um serviço mais personalizado optamos por preferir comer na mesa do chef.
Fomos recebidos pelo sub-chef pois o chef executivo não estava nesse dia de serviço na cozinha. A refeição começou com um amuse-bouche que consistia em lebre cozida a baixas temperaturas em vinho tinto e foie gras sobre uma tosta. O sabor da lebre impunha-se ligeiramente como seria de esperar mas mantendo um grande equilíbrio de sabores com o foie gras. Este amuse-bouche é uma das entradas da carta. Estava desde logo estabelecido um nível alto para o resto da refeição e qualquer dúvida que tivéssemos dissipava-se rapidamente.
Seguiu-se a entrada com Lavagante Azul sobre um Raviolo de Boletos. Está bem escrito... Ravioli é plural. Este é daqueles pratos em que o importante é respeitar os ingredientes e deixa-los brilhar. E esse objetivo foi plenamente conseguido. O lavagante tinha sido cozido e passado ligeiramente na chapa e estava tenro e no ponto.
De seguida foi servida uma Bouillabaisse com Vieira e Pargo acompanhados por vegetais salteados e glaceados com parmesão. O pargo e a vieira estavam no ponto assim como os vegetais. A bouillabaisse estava muito boa e confesso que nunca tendo provado uma Bouillabaisse tradicional fiquei com a curiosidade de provar.
O prato de carne era Leitão Recheado acompanhado por Feijoada. O leitão tinha sido assado previamente e desossado mantendo-se a pele e carne agarrada à pele numa peça inteira que foi recheada e enrolada e levada de novo ao forno. Era servida então uma fatia deste rolo juntamente com uma interpretação de feijoada que incluía mesmo umas rodelas de enchidos tradicionais portugueses de grande qualidade. O leitão estava perfeito em termos de sabor e a única coisa que senti falta foi do crocante da pele mas suspeitei que devido ao processo de confeção tal não deveria ser possível, tal como alias o sub-chefe me viria a confirmar mais tarde. A feijoada era um hino aos sabores tradicionais portugueses conseguido manter a intensidade e singularidade dos sabores sem se tornar pesada. O sub-chefe acabou por nos confidenciar que tinham decidido não incluir este prato de leitão na nova carta em favor de outro, não porque considerassem o outro melhor mas porque a ausência do crocante da pele poderia desiludir alguns clientes que tivessem essa expectativa.
Seguiu-se a sobremesa que na realidade eram umas 8 ou 10 "amostras" das sobremesas da carta. A pastelaria é considerada um dos pontos fortes da cozinha do The Oitavos e apesar de o chef-pasteleiro também não estar de serviço nessa noite à cozinha, o sub-chef-pasteleiro aproveitou a oportunidade para nos dar uma amostra do melhor que se faz em termos de sobremesas no The Oitavos. Não vale a pena tentar descrever o que estava nos dois pratos que nos foram servidos, qualquer descrição ficaria aquém daquilo que nos deram a provar... Com o café e chá foram ainda servidos petit-fours que incluíam alguns bombons divinais.
Esta refeição foi servida acompanhada por 4 vinhos servidos a copo harmonizados com os pratos. A relação qualidade preço deste suplemento de vinho era muito boa sendo todos os vinhos bastante gastronômicos e adequados aos pratos. Isto apesar de serem vinhos com um nível de preço não muito elevado. Assim foram servidos um Monte da Ravasqueira Rosé 2010 com a entrada, o Luís Pato Maria Gomes Branco 2010 com o prato de peixe, Duque de Viseu Tinto 2008 com o prato de carne e Champalimaud Porto Vintage 2001 com a sobremesa. Relativamente aos vinhos ficam dois pequenos reparos: o rosé adequava-se bem à entrada mas teve dificuldade em lidar com os sabores mais intensos do amuse-bouche que também acompanhou e no tinto apesar de este fazer boa figura a acompanhar o leitão talvez se pudesse subir um pouco a fasquia. Dito isto eu percebo perfeitamente que numa situação como esta não faria sentido ter vinhos diferentes para o amuse-bouche e para a entrada e que um vinho tinto de outro nível faria quase inevitavelmente subir o preço do suplemento de vinhos.
A opção de comer na mesa do chefe foi de facto uma boa opção. O pratos foram explicados pelo sub-chef e quando o serviço da cozinha permitia foi possível conversar com ele sobre os pratos, o restaurante e a gastronomia em geral, o que valorizou bastante a experiencia que foi esta refeição.
A relação qualidade-preço deste jantar foi muito boa mas não vou colocar aqui o preço que pagamos pois acabamos por usufruir de um serviço especial e que neste momento não estará disponível nestes exatos moldes. No entanto pelo que me foi dito penso que esta boa relação qualidade-preço se irá manter pois as alterações que serão feitas ao serviço não serão substanciais.
Depois de resolverem alguns problemas de comunicação interna e externa e estabilizarem a oferta dos vários serviços certamente não demorará muito para que o Ipsylon passe a figurar entre os restaurantes de referência da região de Lisboa. Qualidade e capacidade parecem não faltar a esta equipa que posta à prova perante uma situação imprevista soube estar claramente à altura das expectativas com que fui para este jantar. Conseguiram proporcionar-nos uma refeição que ficará na nossa memória e teremos que voltar um dia ao almoço para podermos apreciar a "sala" à luz do dia.
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