A cozinha do Vítor Areis não me era desconhecida e até tinha escrito um pequeno apontamento sobre esta a propósito do fecho do Assinatura por onde o Vítor passou, primeiro como sub-chef do João Sá e após a saída do João como chef. O Vítor Areias saiu do Assinatura um pouco antes do seu fecho provavelmente já com ideia de abrir um espaço próprio e alguns meses depois começaram a surgir a primeiras estórias sobre o Estória Restaurante. O tom era o mesmo que aquele que já vinha do tempo do Assinatura o que despertava a curiosidade de conhecer o espaço e esta nova declinação da cozinha do Vítor Areias.
Foi assim com a alguma expectativa que fui experimentar o menu de degustação. Fomos recebidos por pão caseiro que é feito diariamente no restaurante. Nesse dia era um pão simples mas dependendo do dia e dos produtos da época podem ser pães mais elaborados. Era um pão consistente, um pouco para o mal cozido e apurado de sal que o tornava muito guloso. Vinha acompanhado pelo Creme de Ameixa, o Paté de Atum e o Paté de Tremoço. O Creme de Ameixa com uma boa acidez mas que com este pão acabava se subalternizar, o Paté de Atum a cumprir bem a função a resultar de maneira interessante sem deslumbrar e o Paté de Tremoço que acabou por se revelar como uma surpresa por resultar melhor do que contava, muito bem conseguido com alguma acidez e amargor a combinar muito bem com o pão.
Começamos com a Salada de Sapateira com Maça que apresentava uma boa combinação de sabores onde se destacavam uma mistura de levístico e coentros. O levístico é uma erva em que apresenta algumas semelhanças físicas com a salsa e com um sabor mais forte a fazer lembrar o aipo. Uma boa combinação de sabores embora me parecesse que o sabor do levístico talvez se estivesse a sobrepor um pouco em relação ao conjunto.
Apesar do Estória ter uma carta fixa que vai mudando ao longo do ano a sua cozinha pretende também ser uma cozinha de mercado em que dependendo dos produtos disponíveis a cada dia no mercado um prato diferente ou uma variação de um prato pode aparecer na carta e em especial no menú de degustação. As Ovas de Choco e Favas com Chouriço faziam parte nesse dia do menu de degustação devido à disponibilidade das ovas de choco no mercado. Uma combinação menos provável a resultar num prato muito interessante a brilhar pela textura das ovas e onde o picante do chouriço prolongava os sabores na boca com um pouco de poejo a dar-lhe frescura.
Como prato de peixe tivemos o Chicharro, Pimento e Funcho do Mar, que nos trazia aromas de grelha tradicional por via de algum fumado no peixe e no pimentos. O funcho do mar aqui servido em pickle é uma planta existente em toda a costa atlântica europeia incluindo a portuguesa e costa mediterrânica. Se em Portugal Continental praticamente caiu no esquecimento, nos Açores onde é particularmente abundante ainda é usada em saladas ou para confeção do curtume em que é conservado em vinagre dando origem a precisamente um pickle. O funcho do mar dava frescura ao prato embora me parecesse que que quantidade no prato talvez fosse um pouco exagerada.
Terminamos a fase salgada da refeição com a Falsa Costeleta de Javali com Aipo. Este era uma prato que certamente faz as delicias dos apreciadores de caça evidenciando uma textura densa e algum amargor que é muitas vezes característico deste tipo de carnes. Eu devo confessar que não sou do maiores fãs de caça e este amargor da carne acabou por não me seduzir completamente com o aipo a exacerbar esse amargor ainda um pouco mais. Sabores fortes e intensos, para mim um pouco intensos demais mas que farão deste prato um favorito para muitos.
Finalmente como sobremesa tivemos a Delicia de Chocolate Branco com Pepitas de Framboesas que explorava os contrastes entre a doçura do chocolate branco e a acidez da framboesa e ainda o contraste de temperatura entre o chocolate tépido e as pepitas de framboesa geladas. Uma sobremesa de aparência simples que conseguia no entanto por via deste jogo de contrastes resultar bastante bem.
Esta refeição confirmou aquilo que era já a minha impressão do trabalho do Vítor Areias, uma grande capacidade para criar pratos interessantes muitas vezes a incorporando ingredientes ou ligações menos comuns. Também confirmou alguns pontos que poderão requerer alguma atenção, alguma preferência por sabores intensos, sendo dado por vezes um destaque acima do que consideraria ideal a alguns ingredientes e uma tendência para a utilização de algumas plantas aromáticas mais personalizadas, como o aipo. O aipo que já aparecia em destaque num dos seus pratos mais emblemático no Assinatura voltava a aparecer aqui no prato de carne e por similaridade de sabor por via do levístico na Salada de Sapateira. Embora esta intensidade de sabores até deva ser do agrado de muitos, julgo que baixar um pouco a intensidade poderia dar mais elegância a alguns dos pratos. É um espaço e uma cozinha a conhecer e a revisitar e só tenho receio que apesar do espaço ser bem conseguido possa não atrair todo o público que mereceria ter por alguma falta de centralidade na sua localização.
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