A cozinha do José Avillez não me é desconhecida e entre uma passagem pelo Tavares após a conquista da estrela Michelin, a frequente degustação de algumas das suas criações no Peixe em Lisboa até à visita ao Cantinho do Avillez no ano passado, será um dos chefs que mais vezes provei nos últimos anos. Na visita que fiz ao Tavares há alguns anos lembro de pedir ameijoas à bulhão pato, como entrada, na expectativa de ver como é que o chef trabalhava este prato tão carismático da nossa cozinha. Para minha surpresa, ou talvez não, chegou-me à mesa uma interpretação excepcional mas completamente clássica deste prato. Por outro lado como prato principal comi uma interpretação de carne de porco à alentejana (Cubismo de Carne de Porco com Amêijoas) que era irreconhecível na forma mas familiar no sabor. Comentava o José connosco no final dessa refeição que há certos pratos em devemos mexer o menos possível. Já no Cantinho do Avillez, cedendo aos instintos primitivos que se revelam na presença de carne e pão, comi o Hambúrguer de Barrosã DOP com Cebola Caramelizada e Foie Gras que considero o meu melhor Hamburger de sempre.
Mas faltava-nos conhecer o Belcanto. Reaberto há um pouco mais de 1 ano pela mão do José Avillez têm granjeado rasgados elogios e em menos de um ano conquistou a sua estrela Michelin. O meu aniversário afigurou-se uma boa oportunidade de conhecer o Belcanto, no seguimento da nossa tradição bi-anual por altura dos nossos aniversários. Eramos para ir jantar numa sexta mas uma mudança de planos levou-nos lá a almoçar a uma terça, precisamente no meu dia de anos. Por sinal, este seria o primeiro serviço da semana pois o Belcanto está fechado à segunda.
O Belcanto têm habitualmente dois menus disponíveis: o menu da estação, com três pratos, e o menu do desassossego com seis pratos. Ao almoço está disponível mais um menu de três pratos além destes que têm muitas semelhanças com o menu da estação. Este menu de almoço tem no entanto o suplemento de vinhos a copo incluído no preço. Acabamos por dificultar a vida ao pessoal de sala ao escolhermos um destes menus de almoço e um menu da estação pois se a opções do menu de almoço nos agradavam no geral, havia uns pratos que queríamos provar e só estavam no menu da estação. Para juntar à confusão eu e a Ana fomos alternando entre os menus de acordo com as nossas preferências pessoais. Diga-se de passagem que esta nossa maldade não perturbou o serviço da equipa de sala não se tendo notado qualquer hesitação durante a refeição.
Eu confesso que me irrita um bocadinho quando me falam de um menu de cinco pratos e descubro que até o amuse-bouche é considerado um prato. Ora aqui é precisamente ao contrário e antes do menu propriamente dito começar temos três amouche-bouches/couverts e ainda o pão e a manteiga que aqui quase merece ser considerado um prato. Há um piscar de olho quase irreconhecível ao couvert tradicional da restauração portuguesa, o pão, a manteiga e as azeitonas.
Assim antes da entrada propriamente dita começamos com as azeitonas ao cubo que inclui a azeitona esferificada, a azeitona crocante e o martini invertido com a azeitona liquida e o gin em forma de azeitona. Eu já vos disse que devo ser o único português que não gosta de azeitonas, não disse?... Mas não faz mal... Gostei especialmente da azeitona crocante. Seguimos com o falso Ferrero Rocher com recheio de foie grás e o snack de Bacalhau com Grão. E não é que este pequeno snack faz mesmo lembrar o Bacalhau com Grão... Após isto chegou o pão e a manteiga. Escolhi o pão de azeitonas e com sementes de papoila. A manteiga era dos Açores, de Noz e Fumada. Ainda houve tempo para um camarão e alface num magnifico empratamento (ou será empedramento?) a que a minha fotografia não faz justiça.
Chegados às entradas a Ana escolheu A Sapateira com Tupinambo e eu a A Horta da Galinha dos Ovos de Ouro. Estas entradas são expressões de ambientes em que só os aromas quando o prato chega à mesa nos remetem para estes ambientes, a sapateira é a expressão do mar e a horta uma expressão da terra. Bem escolhidos, portanto, a Ana é mar enquanto eu sou mais terra. A sapateira acho que é uma novidade pois ainda não tinha ouvido falar deste prato enquanto a horta é um clássico do chef criado em 2008 e que já vinha do Tavares. Estes dois pratos aliam numa quase perfeição a técnica, o sabor e as emoções que despertam. Foram um dos pontos mais altos da refeição.
Seguiram-se os pratos principais a Ana optou pela Raia Jackson Pollock e optei eu pelo Cordeiro em duas Texturas. A Raia Jackson Pollock é mais uma daqueles pratos do José Avillez que ameaça tornar-se emblemático. Ponto de cozedura ótimo e com um empratamento a fazer lembrar a obra de Jackson Pollock que lhe serviu de inspiração. Para quem tiver dúvidas uma pequena réplica do Number 8 é trazida para a mesa juntamente com o prato. O cordeiro não será tão emblemático mas gostei especialmente de uma das texturas que me remeteu para o ensopado de borrego.
Chegados às sobremesas e como estes menus tinham ambos o Pastel de Nata em Mil-Folhas foi-nos permitido trocar um deles por uma outra sobremesa da carta para podermos provar coisas diferentes. Assim escolhemos da carta o Chocolate e Avelã. Se o Pastel de Nata em Mil-Folhas é uma interpretação muito bem conseguida deste clássico, o Chocolate e Avelã é uma verdadeira obra de arte que quase daria dó destruir não tivesse eu uma costela chocodependente.
Toda a refeição foi acompanhada com vinho a copo. Começamos por pedir dois copos de espumante, a Ana um Billecar Salmon Bruto e eu com um Soalheiro Bruto. Ainda não tinha tido a oportunidade de provar o espumante Soalheiro e este revelou-se bastante competente tenho mesmo acompanhado a refeição até às entradas. Após isto seguimos os conselhos do escanção tendo-nos sido sugeridos um tinto do Monte da Ravasqueira e o JA produzido pela Quinta do Monte d'Oiro com a assinatura do chef. Com as sobremesas foi nos sugerido um Porto Tawny do qual não fixei a referência e um Madeira Blandy's Alvada.
Uma dos aspectos mais bem conseguidos do serviço do Belcanto é a maneira como um menu de três pratos é transformado numa experiencia gastronômica com mais de uma dezena de pequenos momentos que nos permitem percorrer a identidade gastronômica do chef José Avillez.
Outra coisa que me agradou foi ver a casa tão bem composta para um almoço de terça-feira com sala virada para o São Carlos praticamente cheia e pelo menos um grupo na outra sala. Fiquei contente, pois os últimos meses têm sido duros para a restauração lisboeta com diversos encerramentos e embora não me parecesse que o Belcanto corresse esse risco confesso que não estava à espera de ver uma ocupação tão boa logo no primeiro almoço de uma semana a meio do mês de Janeiro. Ainda bem.
Sem eu me aperceber a Ana disse à equipa do Belcanto que era o meu dia de aniversário e no final da refeição fizeram-me esta surpresa...
Obrigado pela excelente refeição que me proporcionaram no meu dia de aniversário!
Interpretação? Mas afinal isto dos chefs é como os maestros? Fazem a sua interpretação?
ResponderEliminarJá agora, uma cena que me explicaram uma vez relativamente a fotos de pratos: é suposto apanhar um pouco do ambiente à volta (como acontece no caso do prato da raia), e não apenas fazer um zoom à comida.
E já agora também só como sugestão, penso que nestes textos só faltam uma cena que é o preço médio da refeição.
Maestro é uma boa metáfora para descrever o trabalho de um chef. Não descreverá tudo pois por vezes não é só de interpretação que estamos a falar mas também de criação e aí juntam a vertente de compositor à de maestro. :)
EliminarRelativamente às fotos percebo o teu ponto de vista pois da mesma maneira como tento descrever um ambiente no texto este poderia ser melhor refletido nas fotografias. O problema é que com um telemóvel se se usa flash tudo o não está em primeiro plano fica mais escuro a não ser que seja de dia no exterior, se não se usa flash as cores do prato ficam com menos contraste e menos apelativas. Com uma máquina a sério isso resolvia-se mas não me sinto confortável em andar com uma SLR atrás para fotografar os pratos... Por outro lado, planos abertos que apanhem outras pessoas podem constituir uma violação da privacidade dessas pessoas. Por agora esta foi a maneira que encontrei que me é mais confortável e que me parece dar melhores resultados, mas é possível que com o tempo isso vá mudando.
O preço não costumo incluir a não ser que isso seja um dos pontos fortes do restaurante. Normalmente os preços são facilmente obtidos noutros sites com mais vocação de guia ou critica gastronômica profissional do que este espaço. Alguns restaurantes até têm a carta no site. Prefiro não pôr atê porque o preço acaba por variar muito conforme se opte por menus ou se se escolhe da carta e com os vinhos com que se acompanha a refeição. E apesar de eu de certa maneira expor a minha privacidade ao escrever estas coisas opto por resguardar algumas coisas como o valor que gasto nestas refeições. Mas se pesquisares facilmente encontrarás os preços dos menus que falo e que te podem servir de referencia para o preço médio.