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Até Já Leonel Pereira

Foi com sentimentos contraditórios que eu e a Ana soubemos que o chef Leonel Pereira tinha saído do Hotel Sheraton e do Panorama e que iria assumir a liderança de cozinha do São Gabriel na Quinta do Lago. Se por um lado ficámos contentes por ver um chef de quem tanto gostamos a perseguir novos objetivos num restaurante de referência, por outro lado já não tínhamos a possibilidade de provar a sua comida aqui tão perto. Quando soubemos que se iria realizar um jantar de despedida do chef no Eleven não quisemos deixar de lá ir dar um abraço e um até já ao chef.

Até Já Leonel Pereira - reservarecomendada.blogspot.pt

Conhecemos o chef pela primeira vez na primeira edição do Peixe em Lisboa em 2008. Chegámos e inscrevemo-nos em algumas das atividades sem saber muito bem ao que íamos. Uma delas era um show cooking de um tal de Leonel Pereira, chef algarvio que era na altura Chef Executivo do Sheraton de Lisboa. Nunca tínhamos ouvido falar do chef mas ficou-nos na memória um "pó mágico" que o chef trazia para mostrar. Tratava-se de polvo seco e salgado triturado num pó que podia ser usado como tempero. A ideia era evocar os aromas e sabores daquele polvo seco que é tradicionalmente vendido nas feiras. Eu não sou grande fã deste polvo mas o conceito de transformar estes sabores num pó que poderia ser usado como tempero pareceu-me verdadeiramente interessante.

No inicio de 2009, por altura do meu aniversario, o restaurante que escolhi para levar a Ana foi o Panorama. Estava convencido que o chef do Panorama era o Henrique Sá Pessoa. Pedimos o menu de degustação e o perfil dos pratos pareceu-nos diferente da expectativa que tínhamos da cozinha do Henrique Sá Pessoa na altura. Os pratos eram mais evocativos dos sabores tradicionais portugueses do que aquilo que estaríamos à espera. Não me lembro em detalhe do menu mas dois pratos ficaram na nossa memória: a interpretação de Bacalhau com Todos que fechando os olhos nos transportava para os sabores desse prato clássico e que voltei a provar mais tarde numa Restaurant Week; e o Pombo com Ervilhas que usava uma ave pouco amada em Lisboa e que transportou a Ana para os sabores de infância. No final da refeição a Ana viu uma silhueta familiar a sair da cozinha e a passar pela sala. Era o tal chef algarvio do polvo feito pó de perlimpimpim. Viemos a confirmar depois que o chef Leonel Pereira tinha acumulado desde há uns meses a liderança do Panorama com a liderança do restante serviço de restauração do Hotel Sheraton Lisboa que já tinha a seu cargo.

Tínhamos gostado tanto do modelo e das atividades da primeira edição do Peixe em Lisboa que já tínhamos decidido que no segundo ano voltaríamos no primeiro sábado do evento e que iriamos tentar participar em todas as atividades que pudéssemos de maneira a preencher o dia. Entre estas atividades encontrava-se o jantar gourmet em que não tínhamos conseguido participar na edição anterior. Ainda antes de serem anunciados os chefs que iriam estar responsáveis por cada um dos jantares fizemos a reserva para o jantar desse sábado. Confesso que até ficámos um pouco desapontados ao saber que o jantar nesse dia iria estar a cargo do chef Leonel Pereira. Tínhamos gostado bastante da refeição no Panorama em Janeiro desse ano mas estávamos com a expectativa de que fosse um chef que ainda não tivéssemos provado. Mal sabíamos nós o que nos esperava...

Depois de um dia bastante preenchido íamos terminar o dia com o jantar com o chef Leonel Pereira. Em volta da mesa encontrava-se um grupo de cerca de 10 pessoas entre as quais o Domingos Soares Franco da José Maria da Fonseca com qual tínhamos tido uma prova durante a tarde e o chef Luis Américo (temos de ver se vamos ao Porto comer à sua Mesa...) que estava acompanhado de uma amiga brasileira que estava em Portugal a dar uns cursos de cake design. Chamava-se Patricia Schmidt... O chef jantou conosco e conversou-se sobre os pratos e sobre gastronomia em geral. A refeição foi sempre em crescendo tendo passado por um prato de foie gras (penso que seria o Bronze de Foie-Gras Lacado com Vinho Tinto), pelo Salmonete Corado em Azeite de Limão com emulsão de Laranjas e o Cachaço de Bísaro Cozinhado a Baixa Temperatura. Tudo muito bom, com pontos de cozedura perfeitos e combinações de sabores muito bem conseguidas. Terminamos em beleza com um Tomate Morangado em que um tomate se fazia passar por sobremesa disfarçando-se de morango. Um menu extraordinário com uma consistência pouco habitual onde não era possível encontrar pontos fracos. Ainda hoje considero esta refeição a minha melhor refeição de sempre. No último ano e meio houve uma ou duas que conseguiram ficar a este nível ou bastante perto mas ainda nenhuma a conseguiu ultrapassar claramente.

Nesse ano ainda voltamos ao Peixe em Lisboa no fim de semana seguinte e tivemos a oportunidade de provar mais alguns pratos do chef na banca do Panorama e de voltar a conversar um pouco com ele. Durante os anos que se seguiram voltamos a provar várias vezes os seus pratos em eventos ou no Panorama onde eu a Ana voltamos algumas vezes durante as Restaurant Weeks. Quando conseguíamos, conversávamos sempre um bocadinho com o chef pois era sempre um prazer voltar a falar com ele sobre os pratos, o Panorama e a gastronomia em geral.



O jantar de despedida de Lisboa intitulou-se Até Já Lisboa e realizou-se no Eleven a convite do Joachim Koerper incluindo no menu pratos de ambos os chefs. Inicialmente desafiados pelo Nuno que soube da organização do jantar em primeira mão, não hesitámos e a Ana fez uma reserva para 6 pessoas. O Jorge era para ir também mas à ultima hora: ai e tal, estou com uma valente gripe e nem sequer consigo cheirar... Assim fui eu e a Ana, o Nuno e a Ema. Mais uma vez foi um prazer ter a oportunidade de conversar um bocadinho com o chefe antes do início da refeição sobre as suas expectativas em relação este novo desafio.





Começamos com um amuse bouche com assinatura do Joachim Koerper que em bom rigor seria mais uma entrada e três amuse bouches servidos no mesmo prato. A componente maior era um Carpaccio de Lagostim do qual gostei dos sabores mas a textura não me seduziu completamente. Nos componentes mais pequenos não fixei completamente as suas descrição mas incluía uma espécie de pastelinho de bacalhau, um folhado de morcela e se não estou em erro uma vitela (estufada?). Um bom começo.



O prato seguinte foi um dos pontos altos da noite em que o Leonel Pereira vestiu os sabores do gaspacho num empratamento muito interessante. No Falso Gaspacho com Tomate em Várias Texturas inicialmente pareceu-me que poderia haver aqui demasiados ingredientes que tornassem confuso o prato. É que além do falso gaspacho gelificado e da cavala andavam por ali ananás e sapateira escondidos dentro dos pequenos tomates. Mas tudo se conjugava de modo harmonioso deixando brilhar o sabor do gaspacho na boca.



O Peixe-Galo Salteado com Xerém de Berbigão e Poejo também com a assinatura do chef Leonel Pereira acabou por não resultar tão bem como esperávamos devido ao peixe estar um pouco passado demais nos pratos que chegaram à nossa mesa. Mas pelos que relatos que ouvimos de outras mesas o prato ganhava outra vida com o peixe no ponto. Fiquei também na dúvida se o xerém liquido em vez de solido não teria resultado melhor. Pareceu-me que com o xerém liquido os sabores se poderiam ter integrado melhor. O chef aliás mencionou antes da refeição que tinha uma versão daquele prato com xerém liquido.



Como prato de carne tínhamos o Duo de Porco Alentejano com Puré de Aipo Fumado e Molho de Vinho Tinto do chef Joachim Koerper. E que prato de carne era este... O porco em duas texturas bastante diferentes mas qual delas a mais interessante com o fumado sempre presente a conversar com o crocante da tempura de salsa. Terá sido um dos melhores pratos de carne que comi nos últimos tempos e tenho que voltar para trás mais de um ano para me lembrar de um prato de carne que me tivesse entusiasmado tanto. Eu andava um pouco desavindo com o Eleven devido a uma passagem menos feliz que tinha tido por lá há uns tempos mas este prato reconciliou-me com esta casa.



Passámos depois por um aperitivo de sobremesa que metia banana, maracujá e chocolate a preparar-nos para a sobremesa da autoria da chef de pastelaria do Eleven. Um Pudim Abade de Priscos com Sorbet de Citrinos do Algarve e Coulis de Frutos Vermelhos que não sendo o melhor abade de priscos que comi nem a overdose de colesterol que o Nuno gostaria que fosse era no entanto um bom exemplar deste clássico ligando bem com o sorbet e o coulis que o acompanhava.



A refeição foi acompanhada pelo espumante do Paulo Laureano DOC Óbidos que se não me engano foi lançado antes do Natal e por três vinhos dos Lavradores de Feitoria, o Três Bagos Sauvignon Blac 2011, o Meruge Branco 2010 e o Quinta da Costa das Aguaneiras 2008. A sobremesa foi acompanhada por um porto Niepoort 30 Anos que o chef Leonel Pereira confessou ser um favorito pessoal e com o qual foi feito um brinde de boa sorte aos novos desafios do chef. Ainda houve tempo para o café e para as mignardises habituais no Eleven.



Se no Sheraton o chef Leonel Pereira tinha de se dividir pelas diversas cozinhas e serviços de restauração começando pelo pequeno almoço, passando pelo serviço de quartos e culminando no Panorama, no S. Gabriel o chef poderá concentrar-se totalmente numa única cozinha e serviço podendo mostrar em toda a sua plenitude a qualidade do seu trabalho. Já no Panorama se comentava que o chef era merecedor de um estrela Michelin embora a abrangência de responsabilidades do chef no Hotel Sheraton pareça não ter facilitado obtenção desse objetivo. Agora no S. Gabriel um dos objetivos deste primeiro ano será a manutenção da estrela Michelin do restaurante embora de acordo com o que o próprio chef comentava connosco isso não seja uma obsessão. Se neste momento o chef recebe a estrela como uma herança, estou certo que rapidamente a merecerá em resultado do seu trabalho e talento.

Há uma expressão anglo-saxónica com origens na idade média de que gosto muito. Era usada para desejar boa sorte aos viajantes antes de partirem para viagens longas ou arriscadas. Atualmente um dos seus usos mais comuns é para saudar os astronautas antes da sua partida em direção às estrelas:

Godspeed Leonel Pereira!

Da Horta para a Mesa de Cláudia S. Villax - www.wook.pt

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