Na fúria desenfreada em experimentar o que é novo e está na moda por vezes esquecemos aqueles locais que mantêm durante anos a fio um nível de qualidade elevado. São casas com décadas de história e de histórias, em por vezes tanto a gerência como a clientela passam de geração para geração. Alguns perdem-se com o tempo, outros continuam ano após ano a fazer bem aquilo que sempre fizeram bem, ousando por vezes alguma inovação contida, sempre respeitando o cliente habitual mas piscando o olho a alguma clientela mais jovem.
Não tendo sido nado e criado em Lisboa e sendo um Lisboeta adotivo não conheço muitos destes locais que fazendo parte da história coletiva de Lisboa não são badalados como o último restaurante do chefe que apareceu na televisão nem como o restaurante com a estrela Michelin. Um destes locais é o Vela Latina, que tendo aberto em 1988 não será dos mais antigos mas que para uma nova geração e para mim, que comecei a conhecer Lisboa na década de 90, sempre ali esteve naquele local.
Já tinha passado pela porta muitas vezes pois até é uma zona por onde passo com alguma frequência, até já tinha comido na cafetaria mas nunca me tinha aventurado pelo restaurante. Nos últimos anos têm aparecido muitas novidades na restauração lisboeta e acaba-se por privilegiar essas novidades mais badaladas ao invés destas casas com um perfil mais sóbrio. Mas com o refrear do ritmo de aparecimento de novidades no panorama gastronómico lisboeta em boa hora se proporcionou a oportunidade para conhecer este restaurante.
A entrada é um pouco estranha: faz lembrar o lobby de um hotel. Mas passada a entrada chegamos a um espaço muito agradável em jeito de jardim de Inverno com um bom equilíbrio entre o formalismo cordial do serviço e alguma informalidade da decoração náutica. Ficámos junto às vidraças que dão para o lado oeste da sala naquela que me pareceu uma das mais agradáveis mesas da sala.
Queríamos ter uma amostra da carta e dos pratos mais emblemáticos da carta pelo que pedimos a recomendação do chefe de sala e optámos por duas entradas e dois pratos que partilhamos. As escolhas recaíram nas Ostras Frescas, Salada com Abacate e Caranguejo Real, Arroz de Coentros com Lagosta e o Bife do Lombo Black Angus à Moda do Chefe. Com exceção das ostras, os pratos foram divididos na cozinha e empratados individualmente pelo que as fotografias representarão uma espécie de meia dose. Apreciámos muito esta gentileza pois não é tão habitual como possa parecer. Optamos por vinho a copo pois assim poderíamos mudar de vinho com o prato de carne. Havia mais alguns vinhos a copo mas acabei por optar pelo branco Domingos Soares Franco Verdelho e o tinto Crasto.
Começámos pelas Ostras. Como já tinha referido aqui eu não sou o maior dos apreciadores de Ostras e obviamente esta foi uma escolha da Ana. Mas eram de uma qualidade tal que fiquei totalmente rendido. Eram da ria Formosa e de uma qualidade irrepreensível. As ostras não são muito fáceis de harmonizar com vinho devido ao seu sabor iodado e salgado que altera a perceção do sabor do vinho, normalmente de uma maneira negativa. Mas aconteceu uma coisa muito curiosa: o DSF Verdelho ficou com um sabor muito pronunciado a melão que não costuma ter normalmente. Uma combinação curiosa e bastante interessante.
Passámos à Salada de Abacate e Caranguejo Real. As patas de Caranguejo Real não são nossas desconhecidas fazendo parte da nossa tradição natalícia alternativa mas normalmente comemo-las simples com sumo de limão ou com pouco de maionese. Esta salada relevou-se bastante agradável e bem conseguida apesar da sua aparente simplicidade. Tenho de ver se invento uma coisa parecida para fazer cá em casa.
De seguida chegou o Arroz de Coentros com Lagosta. O arroz a meio caminho entre um arroz malandrinho e um risotto, a lagosta que parecia ter sido cozida e depois salteada em manteiga. A lagosta estava no ponto, tenra e untuosa devido à manteiga e com ligeiro picante que temperava sem picar. Com ingredientes desta qualidade o mais importante é deixar a qualidade destes brilhar e aqui isso foi perfeitamente conseguido. Vim a aperceber-me que o Vela Latina possui viveiros próprios onde mantém as lagostas e os lavagantes e provavelmente outros mariscos e isso ajuda a explicar a qualidade do marisco nesta casa.
Assim chegamos ao Bife do Lombo Black Angus à Moda do Chefe. Vinha acompanhado por um molho de cogumelos com a um ar relativamente clássico mas muito bem conseguido e por batatas chip. Estas batatas tinham de aspeto de tal modo perfeito só comparável às infames Pringles. Ficamos curiosos em como seria possível obter tal perfeição com batata verdadeira. Mais uma vez a qualidade dos ingredientes a revelar-se, tendo a carne uma qualidade irrepreensível. Será um dos melhores bifes de Lisboa.
Terminámos com dois ex-libris da casa no que toca às sobremesas: as Farófias e o Pastel de Nata. Diga-se que fazem jus à fama que tem. Para terminar, o café, com o pormenor interessante de ser acompanhado por uma mini-Madalena.
Foi uma das melhores refeições que tive nos últimos tempos. O Vela Latina é um restaurante que aposta fundamentalmente em pratos clássicos com uma dose contida de inovação, executados com grande rigor e com ingredientes de grande qualidade. Pela amostra que tive, o marisco parece ser um dos pontos mais fortes devido à sua frescura e qualidade. Eu tinha boas expectativas em relação a esta refeição mas confesso que estas acabaram por ser completamente ultrapassadas.
Até Sábado poderão aproveitar a Lisboa Restaurant Week para experimentar o Vela Latina. Dei uma olhada na ementa para a Restaurant Week e pareceu-me bastante interessante incluindo alguns dos pratos emblemáticos da casa. Poderá ser uma boa oportunidade para conhecer o restaurante e penso que ficarão com a vontade de voltar.
É reconfortante saber que continuam a existir locais como este em Lisboa. Certamente voltarei. Nestes restaurantes o cliente habitual não reserva uma mesa, reserva aquela mesa. Talvez um dia quando me fartar de novidades tecno-emocionais seja eu a reservar aquela mesa junto à janela.
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