Em Portugal, as vinhas tinham as castas misturadas pela sabedoria popular em que se procurava obter desta mistura de castas uma produção constante e consistente ao longo dos anos. Assim, em situações climáticas mais adversas poderia até perder-se a produção de uma ou mais castas mas algumas deveriam aguentar-se e nem tudo estava perdido
Mas também há regiões em Portugal em que tradição é o monocasta. Monção e Melgaço com o Alvarinho, Bucelas com o Arinto ou Setúbal com o Moscatel são algumas das regiões em que os vinhos são tradicionalmente feitos com uma única casta. Nestas regiões a especial adaptação de determinadas castas levou à aposta numa única casta ao invés de tentar mitigar o risco misturando as castas na vinha ou na adega. São vinhos que refletem diretamente as características da casta em cada terroir sendo estas amplificadas para o bem e para o mal. Em rigor, um monocasta também pode ser resultado de um lote pois podem ser combinadas uvas da mesma casta provenientes de diferentes vinhas para compor este lote. No caso de generosos como os Moscatéis com indicação de idade (e.g. 20 Anos) isso é ainda mais flagrante, pois são usados vinhos de anos diferentes para compor o lote final.
As vinhas modernas organizadas por talhões permitem ao enólogo uma grande flexibilidade sendo possível optar por fazer o lote antes ou depois da vinificação. Se a vinificação for feita separadamente por castas ou mesmo por talhão o enólogo poderá elaborar os lotes após a vinificação podendo ter, já nesse momento, uma noção mais aproximada daquele que será o resultado final tendo, ainda, a possibilidade de optar por um monocasta. Este processo acaba por permitir ao enólogo chegar ao lote final de uma maneira relativamente sistemática, usando um misto de experiência e experimentação.
Os mercados podem ser tipificados de duas maneiras relativamente a este aspeto. O mercado português revela características muito semelhantes à maioria dos mercados do velho mundo, sendo normalmente as principais referências destes consumidores a região e não a casta. Quando se pergunta em Portugal quais os vinhos preferidos as respostas são Alentejo ou Douro e só muito raramente alguém falará em Alicante Bouschet ou em Touriga Nacional.
Já o consumidor do novo mundo, com destaque para o mercado norte-americano, tem como principal referência a casta que, por vezes, se substitui à região e às vezes à própria marca. Por ali bebe-se um Chardonnay ou um Cabernet Sauvignon, quase independentemente da origem. Esta característica destes mercados leva a que até possa fazer sentido que um produtor português tenha monocastas de castas internacionais para conseguir meter o pé na porta da entrada desses mercados. Mas, o que também parece fazer sentido é que estes vinhos não sejam um fim mas um meio para colocar no mercado os vinhos que realmente nos individualizam, os vinhos das castas tradicionalmente usadas em Portugal, sejam eles monocastas ou de lote.
Mas afinal de contas o que é melhor: os monocastas ou os vinhos de lote? Bem, como é habitual não existe uma reposta definitiva a isto. Os bons monocastas são muitas vezes vinhos com perfis muito marcados pela casta e com características muito extremadas. Alguns podem mesmo assumir um perfil de vinhos rebeldes que marcam pela sua individualidade e pela sua diferenciação. Também, por isso, um monocasta é muitas vezes amado por uns e o odiado por outros. Já o lote permite dar aos vinhos equilíbrio, completude e a aspiração da perfeição. Nem sempre se destacam e nos conquistam ao primeiro golo, mas muitas vezes seduzem-nos irremediavelmente com o passar do tempo. Por tudo isto, não é fácil escolher qual é melhor. Se um dia nos pode apetecer a rebeldia de um Baga, noutro deixar-nos-emos render pela sabedoria e elegância de um lote vindo do Douro.
No final de Maio estive numa prova épica de vintages, por ocasião do Festival de Vinhos do Douro Superior. Entre outras coisas, foram trazidos pela mão de João Nicolau de Almeida quatro vinhos nunca colocados no mercado. Eram resultado de uma experiência em que os vinhos base, usados na elaboração dos vintages de 1983, foram engarrafados como se fossem vintages monocasta. Estavam em grande forma e ficava-se na dúvida se não deveriam alguns deles merecer serem comercializados a solo. Mas, neste caso todas essas dúvidas rapidamente se dissipavam quando provámos o Ramos Pinto Vintage 1983, resultante de um loteamento destes vinhos, e se percebia que este lote era, indiscutivelmente, mais completo e perfeito do que as partes.
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