O Incógnito é um daqueles vinhos que queira-se ou não, goste-se ou não, marcou a história do vinho em Portugal. Começa por estar intimamente ligado à história de vida do Hans Kristian e da Carrie Jorgensen que depois de se terem conhecido na Malásia, viajavam ao largo Europa da num veleiro em busca de um local para se estabelecerem, plantarem vinha e formarem família. Em 1988 aportaram em Vilamora e viram na Herdade de Cortes de Cima aquilo que viria a ser a sua casa. Nestes tempos as regras das denominações de origem eram bem mais rígidas do que são hoje, indo ao ponto de impor no caso alentejano o sistema de condução da vinha e proibindo castas estrangeiras como o Syrah. Ora o Hans Kristian achava que havia ali potencial para a produção de Syrah e plantou-a à revelia das regras da denominação.
Eu confesso que não sou um grande de Syrah... Quando comecei nestas lides achei-lhe piada por revelar um carácter muito alentejano, resultando em vinhos encorpados e aveludados, às vezes mesmo com uma ligeira doçura. Com o tempo fui-me afastando deste perfil de vinho que apesar de serem de fácil abordagem acabam por se tornar um pouco pesados e previsíveis. Já o perfil mais característico do Vale do Ródano, onde esta casta terá tido a sua origem, exibe uma maior acidez e taninos que lhe emprestam uma boa capacidade de envelhecimento o que estaria mais próximo das minhas preferências actuais não fosse o carácter animal que também é muito característico do Syrah em especial na sua declinação francesa.
Voltando à Cortes de Cima, havia por lá uma parcela que mostrou um Syrah com um carácter diferente daquele que é mais habitual nos Syrahs alentejanos e mais parecido com o carácter dos Syrahs do Vale do Ródano. Foram os vinhos desta parcela, chamada de 9C, que deram origem ao Incógnito. São solos calcários quase brancos que imprimem um carácter distinto às uvas. Em 1998 a qualidade das uvas nesta parcela levou o Hans Kristian Jorgensen a criar um vinho topo de gama com as uvas desta parcela. Ora por estes dias a utilização declarada de Syrah obrigaria à rotulagem do vinho como Vinho de Mesa. Assim foi usado o subterfúgio de omitir a casta usada permitindo assim a comercialização do vinho como DOC Alentejo. O nome derivou da incógnita acerca das uvas que lhe deram origem enquanto no contra-rótulo era deixada uma mensagem subliminar a indicar a casta.
               INCÓGNITO  
            S elect fruit from
            Y oung vines, well
            R ipened,
            A nd hand
            H arvested.
"To live outside the law, you must be honest"
                Bob Dylan
Desde 1998 que o Incógnito é produzido apenas em anos de qualidade excepcional e as uvas provem na sua totalidade da parcela 9C. Já o Homenagem a Hans Christian Andersen (HCA) também é um monocasta de Syrah mas com um perfil mais mainstream, com um perfil mais consensual e pretendendo-se que esteja pronto a beber mais cedo sem deixar por isso de ser um vinho de gama média-alta. Aqui o lote não é fixo, variando de colheita para colheita tendo em conta o perfil que se pretende atingir podendo incluir uvas da parcela 9C.
Esta vertical de Incógnito conduzida pelo Hamilton Reis, enólogo da casa, foi feita em paralelo com uma vertical do Homenagem a Hans Christian Andersen em que foi possível comparar estes dois vinhos ao longo dos anos. Do Incógnito foram provadas as colheitas de 1999, 2002, 2004, 2005, 2008, 2009 e 2011 enquanto do Homenagem a Hans Christian Andersen foram provadas as colheitas de 2004, 2007, 2008, 2009 e 2010.
O começo foi glorioso com colheita de 1999 de Incógnito que foi a segunda colheita produzida desta referencia. A primeira, da colheita de 1998, não foi provada pois a Cortes de Cima dispunha na altura da prova de apenas de 4 garrafas. Este Incógnito 1999 mostrava-se granada acobreado translúcido e com aromas ligeiros a resina, alguma terra molhada e cereja ganhando alguns aromas a café com o decorrer da prova. Na boca mostrava boa acidez e ainda alguns taninos finos e um ligeiro vegetal a compor um conjunto muito equilibrado e muita elegância. Um grande vinho que passados 15 da colheita deverá estar no seu ponto ótimo de consumo.
Saltando para o HCA 2004 que foi a também a segunda edição desta referencia (a primeira foi em 2003), mostrava-se granada com laivos acobreados translúcido, aromas a frutos vermelhos, alguma resina. Acidez média, fresco e sedoso na boca com alguns taninos finos e elegantes. Um perfil com mais fruta, mais sedoso na boca e mais pronto mas ainda assim muito elegante e com grande longevidade, afinal de contas tinha 10 anos...
O Incógnitos mais recentes apresentavam-se menos faladores em termos de aroma alguns com a tal marca animal que não me agrada totalmente mas ainda assim a mostrarem ainda um grande potencial de evolução apesar de já não serem exactamente jovens. Talvez tivessem beneficiado de terem sido decantados ou de uma prova mais longa que os permitisse evoluir no copo. Já os HCA mostravam-se imediatamente mais exuberantes com mais fruta e aveludados na boca em sintonia com aquele que é o seu perfil.
O HCA mais recente que foi provado foi o HCA 2010 que se mostrava granada com laivos violeta com aromas a frutos vermelhos e algum mel. Na boca mostrava-se com boa acidez, aveludado e com uma ligeira doçura. Um vinho muito fácil de gostar mantendo-se no entanto muito interessante.
Terminamos com o Incógnito 2011 que se mostrava violeta e também fechado de aromas mas ainda assim a deixar revelar alguma fruta madura e cereja. Boa acidez acompanhada por alguns taninos e com uma boca fresca com um carácter bastante balsâmico. Um jovem com um potencial tremendo... É só esperar mais uns 10 anos...
Esta vertical de Incógnito e Homenagem a Hans Christian Andersen confirmou algumas das minhas desavenças com o Syrah mas estas minhas desavenças tem muito a ver com a minha hipersensibilidade a vinhos com algum carácter mais animal. É uma questão pessoal que tenho também com alguns vinhos do Dão onde o lado animal de alguns dos seus representantes é exaltado como prova de carácter enquanto que para mim surge quase como um defeito. Mas o que esta prova também mostrou é que o tempo é bom conselheiro e acaba por domar estes vinhos. E têm de ser grandes vinhos para que ao fim 15 anos mostrem a classe do Incógnito 1999. É preciso é ter paciência para esperar...
Sem comentários:
Enviar um comentário