Fomos recebidos pelo chefe de sala com a mesma lisura de sempre. A sala parecia-me diferente, devem te-la redecorado para agradar a gostos mais modernos, mas o imponente lustre lá estava. Curiosamente parecia bem maior do que habitual, quase como se a sala fosse agora mais baixa e pequena do que nas minhas memórias. Mas ao sentar-me e ao baixar os olhos logo encontrei a águia do Aviz gravada nas magnificas facas Christofle da baixela do hotel. Aquela visão sossegou-me, não havia dúvidas, estava no Aviz.
Perguntei pelo Mestre João Ribeiro. Parece que não estava, não percebi bem porquê. Estaria de férias talvez, embora não o conheça como pessoa de ócios. O Mestre João Ribeiro é um dos melhores, senão o melhor, cozinheiro português. Agora andam aí todos a chamarem-se de chefs mas a verdadeira honraria para um cozinheiro português é ser chamado de Mestre, título concedido a poucos. Parece que quem está na cozinha é um seu discípulo chamado Cláudio Pontes. Acho que já tinha ouvido falar dele, se o Mestre João Ribeiro o deixa ficar a tomar conta da cozinha deverá ser um bom cozinheiro certamente. Mas esta malta nova tem a mania de estar sempre inventar...
O meu neto decidiu pedir o menu de degustação. Eu confesso que não sou muito fã destas modernices mas ao menos evita-me o trabalho de ter de decifrar estas ementas modernas que mudam a cada par de meses, sempre cheias de novidades. Quando era novo podíamos ir a um restaurante passados vários anos e ainda ter os mesmos pratos na ementa, sabíamos de antemão com o que podíamos contar.
Começámos com uma coisa modernaça, um Consumé de Atum. Leve, ligeiramente fumado, muito bem conseguido e a fazer lembrar um dashi japonês. As influencias japonesas andam muito na moda agora. Imaginar que haveria de comer um dashi no Aviz... O Cláudio Pontes é açoriano e a presença do atum aqui não deverá ser completamente inocente.
Seguimos para o Ovo à "Babar", aqui com ovo, as trufas e o foie a namorar de forma indecorosa trazendo-nos num prato uma opulência verdadeiramente pornográfica apesar da sua aparente simplicidade... Sabores muito terra e inverno a combinar com a altura do ano. Seriam estes ovos ainda da Dona Maria? Talvez não...
O peixe era um prato de pregado, Pregado Lardeado. Eu gosto muito de pregado e este é uma versão de um prato do mestre João Ribeiro. Uma versão porque estes jovens não conseguem fazer nada sem meter lá o dedo... Uma versão bem conseguida no entanto. O pregado vinha lardeado com bacon, fiquei na dúvida se o ponto do peixe não teria sido um pouco ultrapassado mas era um facto que a gordura deste acabava suportar bem o ponto de cozedura e provavelmente até seria este o ponto ótimo. Os vegetais assados que acompanhavam o peixe estavam muito bem conseguidos com uma textura quase como se de carne se tratassem sem no entanto perderem a sua riqueza aromática e sem se tornarem pesados. Ligavam muito bem com o peixe. A batata doce estava especialmente boa revelando-se invulgarmente aromática.
A carne da Bochecha de Novilho "De Comer à Colher", Cogumelo Pé Azul e o nosso empadão comia-se à colher como o nome indicava num prato todo ele inverno e terra e cheio de conforto. O cogumelo não me seduziu muito mas mais uma vez os vegetais que os acompanhavam tinha uma textura carnal e vinham cheios de sabor. Os vegetais não tinha um aspecto muito entusiasmante ao chegar à mesa mas ao trinca-los acontecia magia. Juntamente com a bochecha era servido um croquete de novilho com duas texturas a invocar um empadão virado do avesso, com queijo no seu interior. Pareceu-me mais uma modernice rebuscada chamar-lhe empadão mas que estava bom estava. Mas para um velho como eu seria sempre um croquete.
A sobremesa era uma pêra rocha, mais propriamente Pêra Rocha do Oeste a Quebrar em Sintra. Não percebi bem o nome que parecia destoar da banalidade de uma pêra rocha. Não me parecia digno do Aviz servir assim uma pêra rocha com casca. Iria queixar-me ao Mestre João Ribeiro quando cá voltasse... Mas afinal, aquilo era uma pêra rocha falsa feita de açúcar cristalizado e recheado com um gelado da dita pêra. E a pêra do oeste namorava com Sintra por via de crocantes a evocar a queijada de Sintra. Estava muito boa, mas enganar assim um velho como eu não é coisa que se faça...
Gostei de voltar ao Aviz e apesar de algumas modernices, pratos como o pregado transportaram-me aos meus tempos de juventude quando aqui vinha comer ao Aviz e fizeram-me sentir em casa. E tão boas que estavam aquelas areias que vinham com o café. Só não achei piada a tentarem enganar-me com aquela pêra falsa. Não fosse estar tão boa e tinha-me chateado...
Fui ao Aviz no final do ano passado com muitas expectativas pois já à algum tempo que andava a ouvir dizer muito bem do trabalho que o Cláudio Pontes fazia por ali. Foi uma das minhas melhores refeições do ano e logo nessa altura pensei em escrever algo meio alucinado sobre aquela refeição. A historia do Aviz proporcionava-o. Um par de semanas depois disso fiquei a saber que o chef tinha saido do Aviz logo após o final do ano. O meu projeto de texto ficou assim um bocado órfão e eu sem saber muito bem se faria sentido escreve-lo ou não. Entretanto o Cláudio Pontes depois de uma curta experiência no Douro voltou às suas origens açorianas e à Escola de Formação Turística e Hoteleira de Ponta Delgada estando ao comando do restaurante de aplicação da escola, o Anfiteatro. O regresso do chef esta semana a Lisboa para a segunda edição do Açores em Lisboa revelou-se uma boa oportunidade para ressuscitar esta história. A iniciativa Açores em Lisboa realiza-se no final desta semana, dia 30 de Outubro no Altis Grand Hotel. Será certamente uma experiencia diferente daquela que aqui relato mas será também certamente uma ótima oportunidade de voltar a provar o trabalho do Cláudio Pontes sem ter que atravessar meio oceano.
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