A EPAV (Escola Profissional Alda Brandão de Vasconcelos - Escola de Hotelaria de Colares) está sediada na Sarrazola House em Colares que funciona como hotel escola. Um dos principais cursos da escola é o Curso Técnico de Restauração - Cozinha e Pastelaria sendo os alunos da escola que asseguram o serviço do restaurante do hotel sob a coordenação dos professores da escola. O hotel e a escola está integrada numa quinta onde são produzidos grande parte dos legumes usados na escola e no hotel. Recentemente foi plantada mesmo uma vinha que dentro de pouco tempo permitirá a produção de vinho. Um pontos fortes deste curso é a forte componente de pastelaria que sem se tornar dominante em relação à formação de cozinha geral tem um peso maior que noutros cursos de cozinha. A importância da pastelaria no curriculum do curso leva a que seja feito pão diariamente para o consumo do hotel sendo mesmo vendido para fora sob encomenda.
Foi da simbiose entre os produtos dos Joaquim e do trabalho dos alunos da EPAV que resultou o jantar em que tive a oportunidade de participar no inicio do mês passado. Esta simbiose foi imediatamente posta em prática ainda antes do inicio da refeição, sendo possível provar um pão com chouriço e uma broa de milho com enchidos que tinham sido feitos na escola com os enchidos do Joaquim. Foram muito competentemente acompanhados pelo espumante de 2008 do Joaquim feito com Chardonnay na Quinta do Rol. Um espumante com bolha fina onde se nota a patine da idade que lhe dá uma grande elegância.
Já sentados à mesa começamos com o Consumé da Horta Aromatizado, Crocante de Chouriço, Ovo de Codorniz e Charuto de Queijo acompanhado pelo Arundel Young 2012. O consumé fazia uso de produtos da quinta da escola enquanto o charuto de queijo juntava mais uma vez a pastelaria da escola e os enchidos do Joaquim. O caldo ligeiramente fumado fazia uma ligação muito interessante com o chouriço no charuto. Muito bem trabalhados os legumes só achei que talvez faltasse ali um pouco mais de intensidade nos sabores.
O Arundel Young 2012 que o acompanhou é um exemplo bem interessante de trabalho de enologia que resulta num produto muito engraçado e distinto. A ideia é ter um vinho com perfil jovem, como o nome indica, mas ao mesmo tempo com elegância e características que só costuma aparecer em vinhos mais velhos. Isto foi conseguido partindo de um vinho base de 2012 loteá-lo com vinho de anos anteriores dentro do limite legal de 15% que permite atribuir-lhe ano de colheita.
Desse lote resultou um vinho entre o ruby e o violeta quase opaco. No nariz sente-se o caráter jovem por via de algum floral e frutos vermelhos mas ao mesmo tempo terra molhada e balsâmico que são mais comuns em vinhos com mais idade. Boa acidez, redondo e elegante na boca. Um vinho muito curioso que poderá agradar a um leque alargado de públicos.
Seguimos com as Tapas de Chouriço, Presunto de Porco Preto e Presunto de Vaca onde os curados do Joaquim Arnaud brilhavam bem acompanhados pelo pão e tostas feitas na escola. Os curados com sabores limpos, bem definidos e num perfeito equilíbrio com a gordura. O Presunto de Vaca é ligeiramente fumado, o chouriço e o presunto de porco preto tem cura ao ar, sem fumo, segundo o que é habitual em algumas regiões do Baixo Alentejo. Este tipo de cura é usado em particular na zona de Barrancos devido aos ventos secos e quentes característicos da região. Já do Alto Alentejo para cima o fumeiro começa a ser dominante.
Juntamente com estes curados era apresentada uma novidade resultante de uma parceria do Joaquim com as Areias Gordas e o enólogo Tomaz Vieira da Cruz. O Joaquim precisava de um vinho que ligasse com os seus curados, que aguentasse a gordura e o fumo que alguns deles têm, e surgiu a ideia de fazer um vinho na tradição dos vinhos de aperitivo do sul da Península Ibérica. Feito à maneira do Xerez Fino mas sem adição de aguardente. Após a fermentação é estagiado protegido por um véu de leveduras vivas a que se dá o nome de flor e que o protege do contacto directo como ar, embora permita alguma oxidação, dando origem a vinhos frescos e leves aos quais a oxidação na devida medida dá um carácter especial.
Assim o Alboroque 2012 apresenta-se amarelo dourado mostrando no nariz aromas a maça com um ligeiro cedro. Boa acidez, muito seco revela um ligeiro amadeirado na boca. Com um menor grau alcoólico que os finos não deixa de nos fazer lembrar o Xerez. Combinou na perfeição com os curados dos Joaquim. O nome e o rótulo jogam com a herança árabe do sul da península sendo Alboroque uma palavra de origem árabe usada para designar o copo de vinho ou a refeição com que se sela a realização de um negócio.
Os Filetes de Peixe sobre Saladinha de Pimento e Milho Frito não conseguiram cumprir completamente as expectativas devido ao pimento e as ervas usadas dominarem um pouco os sabores ofuscando o peixe que, até por estar além do ponto ideal, não se conseguiu afirmar em relação ao pimento.
O vinho foi o Chão Rijo Branco 2012 que é um vinho produzido pela Adega Regional de Colares com uvas da região de Colares mas que, por não terem origem em solos de areia, não podem ser rotulados como DOC Colares. É um vinho um pouco rústico que faz lembrar um pouco os vinhos verdes à moda antiga, parecendo até ter um pico de gás carbónico característico de alguns desses vinhos. É um vinho foral, fresco que se deixa beber com algum prazer a solo embora aqui tenha tido alguma dificuldade em lidar com o pimento.
No seguimento do prato de peixe tivemos a oportunidade de provar o Duo de Vaca com Presunto de Vaca e Estufado de Vaca com Salteado de Couve. Muito interessante a ligação da pêra e da maçã com o presunto de vaca, a pêra sobrepunha-se um pouco mais do que devia sem no entanto matar a relação. O salteado de couve não era a primeira opção que devia ter sido favas da horta da escola mas já não havia favas e teve de se recorrer à couve em substituição. Foi pena, pois a couve brilhou pouco em comparação com o que as favas poderiam ter brilhado.
A acompanha-lo um grande Arundel Great 2008, uma pequena produção de um monocasta de Alicante Bouschet na tradição dos clássicos alentejanos. Apresentava-se granada quase opaco e ligeiramente turvo mostrando no nariz ligeiros frutos vermelhos, chocolate, terra molhada e balsâmico. Na boca mostra boa acidez e algum vegetal. Vai ter uma boa e longa vida enquanto não acabar, que as garrafas que sobram não passam de algumas centenas.
Terminámos a parte salgada da refeição com o Lombinho de Porco com Crumble de Salsichão. Todo o acompanhamento deste prato estava muito bem conseguido mas falhava no ponto do porco que estava passado demais. Foi pena, pois pareceu-me um prato com grande potencial que acabou por ficar aquém das expectativas. O Arundel 2009 num registo mais sóbrio que o anterior mostrava-se granada quase opaco, também com balsâmico no nariz acompanhado por alguma salsa. Acidez e taninos ligeiros mas presentes a fechar um conjunto muito agradável e bem conseguido.
Ainda houve espaço para a sobremesa com a Queijada de Laranja com Trufa de Pêra Rocha, Redução de Moscatel. Gostei especialmente da Trufa de Pêra Rocha que era feita com o Moscatel de Setúbal 2011 do Joaquim Arnaud que também acompanhava o prato. Apesar de ser um fã incondicional de moscatel eu confesso que este não é dos meus favoritos. É um moscatel muito bom, entenda-se, com um perfil distinto mas que para mim tem um perfil mais característico de solos arenosos com perfil floral e com a doçura a sobressair que não consegue entusiasmar-me. Curiosamente, quando me falam deste vinho, falam-me quase sempre do seu perfil cítrico mas para mim a parte floral domina e esconde-me essa parte cítrica. Não deixem de lhe dar uma oportunidade pois pode ser que para vocês essa parte cítrica domine e seja para vocês aquilo que não consegue ser para mim.
Já com o café, terminar a refeição, veio o que viria a revelar um dos pontos altos da parte doce da refeição, o Pastel de Maça Reineta em que a maça reineta assada se fundia com o pastel de nata para criar um doce muito bem conseguido.
A equipa do Restaurante Escola Sarrazola House revelou neste jantar uma capacidade muito boa em trabalhar os produtos da sua quinta com destaque para os legumes e as frutas. A pastelaria e em especial o pão é também um dos seus pontos fortes. Naquele jantar o tratamento das proteínas teve algumas falhas talvez pela quantidade de refeições servidas naquela noite. Não será habitual terem a sala praticamente cheia para um serviço de 6 pratos. Mas vê-se por ali muito potencial e valerá a pena lá ir e conhecer o trabalho da escola e dos seus alunos.
Os curados e as carnes do Joaquim Arnaud dispensam mais comentários, são produtos de muita qualidade, são do melhor que se faz no Alentejo. Os vinhos não os conhecia, mas tem um perfil muito ao meu gosto com muitos balsâmicos e terra molhada, qualquer deles dá muito prazer e o Great é brilhante. A parceria com as Areias Gordas materializada no Alboroque é uma pedrada no charco. Muitos vão dizer: ai e tal, está oxidado, está passado... Mas que bem que ele se bebe, quer a solo, quer com os curados do Joaquim...
Sem comentários:
Enviar um comentário