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Como o meu casamento se transformou num evento vinico

Faz hoje precisamente 7 anos que me casei com a Ana. Decidimos casar no inicio da Primavera e quando começamos a escolher o local uma das preocupações foi encontrar um sitio que fosse confortável caso chovesse.

Depois de visitarmos uma dúzia de sítios acabamos por escolher a Quinta Vítor Guedes. A Quinta Vítor Guedes situa-se no centro de Vila Nogueira de Azeitão e pertenceu à família de José António Fernandes, reconhecido vitivinicultor da região no século XIX. A quinta era a residência da família e alojava também as adegas onde a família produzia vinho incluindo Moscatel e Bastardinho. Em 1932 a quinta foi comprada pela empresa Vitor Guedes que veio a dar o nome atual à quinta mantendo a produção vinícola durante mais algumas décadas. A Vitor Guedes é uma empresa da área agro-industrial com origem perto de Abrantes em Alferrarede, a terra dos pais da Ana. As duas mais conhecidas facetas dos negócios desta empresa são os azeites Gallo e a marca Vegê que resulta da fonetização da sigla da empresa, VG. Assim a escolha pareceu-nos perfeita, gostamos da empresa que fazia o catering (White and White), o espaço era agradável e suficientemente grande e polivalente para não termos problemas caso chovesse. O copo de água seria nas adegas onde muitos milhares de litros de vinho, parte dele Moscatel de Setúbal, teria sido vinificado e estagiado. Esta escolha proporcionava assim uma ligação interessante à família da Ana e ao vinho.

Como o meu casamento se transformou num evento vinico - reservarecomendada.blogspot.pt

Com esta escolha começou a delinear-se a ligação ao vinho embora de início isto não fosse completamente intencional. Eu e Ana estávamos muito no início das nossas viagens pelo mundo enogastronomico e quando começamos a planear o casamento estávamos longe de pensar que o vinho teria um papel tão importante. Mas logo numa das primeiras conversas com a empresa de catering, expressamos a vontade de sermos nós a escolher e comprar o vinho. Uma das coisas que raramente é satisfatório nos casamentos são os vinhos que são servidos. As opções sugeridas pela empresa até eram melhores do que a maioria mas decidimos que eram importante para nós escolhermos os vinhos. Eu sei que normalmente gastar muito dinheiro no vinho para um casamento é ingrato, pois a maioria dos convidados não vai apreciar um vinho melhor. Mas com tantos vinhos bons a preços não muito exagerados eu ficaria envergonhado se não tivesse vinhos que eu gostasse para servir aos meus convidados.

O vinho branco seria um Couteiro-Mor Antão Vaz 2003. Tínhamos duas ligações com este produtor: por um lado o patriarca (já falecido) da família que detinha esta casa (mudou de mãos recentemente) era primo do avô da Ana, por outro lado a adega e parte das vinhas ficam a escassos quilómetros dos locais onde a minha mãe e o meu pai nasceram e cresceram e onde ainda hoje os meus pais têm uma casa. Este vinho foi um dos primeiros brancos que marcou o meu gosto por brancos. É um exemplo muito bem conseguido da casta Antão Vaz, bastante comum no Alentejo. Acho que nesta altura era um pouco mais mineral do que é atualmente mas continua a exibir uma relação qualidade preço muito boa e quase sempre tenho umas garrafas em casa.

O vinho tinto escolhido foi o Herdade da Barras 2003. Este foi o primeiro vinho de um produtor que é meu amigo de escola. Durante muito tempo conversávamos no Papagaio com o Pedro sobre a herdade que o pai tinha comprado e que ele administrava. Sobre a criação de bezerros que já existia na herdade, sobre a plantação da vinha, sobre as primeiras vindimas e vinificação. Este vinho foi feito com o objetivo de testar a logística da vindima e vinificação pois a vinha era jovem e a produção seria quase simbólica. Mas de maneira a testar esta logística, foi tudo feito quase como se fosse uma vindima normal com a diferença de que todas as castas foram vindimadas e vinificadas juntas pois as quantidades não justificavam uma vindima e vinificação separada. Decidimos que este vinho seria o vinho do nosso casamento antes de o provar, num ato de fé que veio a revelar-se recompensador. Surpreendentemente (ou não) o vinho resultante é vinho extraordinário e antes mais um vinho único, pois resultou de um conjunto de circunstancias difíceis de repetir. Com menos de 2 anos já impressionava e continua em grande forma. Tenho ainda umas garrafas e tenho vindo a abrir uma ou duas por ano.


Na organização de um casamento chega sempre a altura em que temos que organizar as mesas e dar-lhe nomes. Quando chegamos a este ponto a temática do vinho estava mais ou menos consolidada e não demorou muito a escolhermos para temática dos nomes das mesas o nome de castas portuguesas. Para a nossa mesa escolhemos uma casta que se sentia perfeitamente em casa e que faz um dos meus vinho favoritos: Moscatel. Para as 20 mesas restantes escolhemos as castas Touriga Nacional, Antão Vaz, Fernão Pires, Alvarinho, Bical, Tinto Cão, Verdelho, Tinta Barroca, Baga, Castelão, Jaen, Loureiro, Cercial, Touriga Francesa, Encruzado, Arinto, Trincadeira, Aragonez, Alfrocheiro Preto, Malvasia Fina. Algumas destas castas eram na altura praticamente desconhecidas para nós, agora nem tanto. Socorri-me de um guia de vinhos portugueses que tinha em casa de onde roubei uma pequena frase caracterizadora para cada casta que acompanhou o nome da casta nas mesas. Realmente a diversidade de castas portuguesas é impressionante pois na altura ainda tinha nome para mais umas mesas. E alguns destes nomes são mesmo usados para designar diferentes variantes das castas dependendo da região. Atualmente conseguiria fazer mais uns 2 ou 3 casamentos com nomes de castas portuguesas. Sem repetir nomes...

Chegado o dia do casamento, depois de um inverno ainda mais seco do aquele que estamos a passar, já pensávamos que nossa preocupação com a chuva não tinha passado de paranoia. Depois de um lindo dia de sol na véspera, eis que chove mais num dia do que tinha chovido durante todo o Inverno… A escolha que tínhamos feito seria sempre muito boa, mas revelou-se ainda mais adequada nas piores condições possíveis.


Relativamente aos vinhos escolhidos, é claro que alguns convidados preferiram o Montado que foi servido na recepção aos convidados ao Couteiro-Mor Antão Vaz e ao Herdade das Barras do copo de água. Mas mais convidados do que eu esperaria ficaram muito bem impressionados pelo Herdade das Barras. Alguns aproveitaram mesmo a oportunidade para trocar algumas palavras com o Pedro sobre o vinho. Tudo pareceu ter corrido muito bem e fico com pena de ainda não termos tido a oportunidade de ser convidados num evento feito pela White and White para poder apreciar o serviço mais relaxadamente.


O epílogo desta história viria a acontecer na véspera do nascimento do Guilherme, cinco anos passados do nosso casamento. A Ana estava enorme, mas decidimos ir à baixa num Sábado solarego e passamos pela Garrafeira Nacional para comprar alguns vinhos brancos e rosés para o Verão. No meio dos Moscateis estava uma garrafa de J. A. Fernandes Moscatel de Setúbal. No rótulo acrescentava-se ser a marca propriedade de Victor Guedes & Cª. Estávamos perante um Moscatel que provavelmente foi vinificado e estagiado na adega onde casamos. Custava 75€ mas seria provavelmente uma oportunidade única para comprar um vinho como este. Já depois de termos a garrafa paga e embalada metemos conversa o dono da Garrafeira Nacional que sabíamos ser um apreciador de Moscatel para que nos contasse um pouco da história deste vinho. Teria sido obtida pela compra de uma garrafeira de uma senhora abastada após a sua morte. Uma boa parte das garrafas estavam vazias pois foram guardadas deitadas e entretanto as rolhas cederam... Seria tão raro que a poucas referências a este vinho que existem foram encontradas em coleções de rótulos da empresa Victor Guedes e de alguns particulares. Teriam sido engarrafadas na década de 30 do século passado, não se sabe bem quando é que uvas de que foi feito foram vindimadas e vinificadas... Está rotulado para venda no Brasil mas estas garrafas nunca deverão ter saído de Portugal. A prova deste Moscatel segundo o que o Jaime Vaz nos disse deverá ser uma experiencia de vida... As poucas garrafas que restavam foram vendidas rapidamente e quando voltei à Garrafeira Nacional já não restava nenhuma. Provavelmente daqui a três anos abriremos esta garrafa.


Sushi em Casa - www.wook.pt

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