Já desde há alguns anos que a José Maria da Fonseca organiza anualmente um visita para os bloggers de vinhos. Até agora tinha acompanhado estes eventos à distancia, com alguma inveja, confesso. Devido ao Peixe em Lisboa, onde a José Maria da Fonseca tem sido patrocinador desde a primeira edição, até conheço relativamente bem a oferta comercial produtos da José Maria da Fonseca. Mas por estas ocasiões passam sempre preciosidades que não estão disponíveis comercialmente ou que são de difícil acesso. Daí a inveja...
A José Maria da Fonseca está indelevelmente ligada à região de Setúbal mas desde muito cedo que a empresa tem vindo a investir noutras regiões de maneira a diversificar o seu portfolio. A década de 80 foi uma destas alturas de viragem para a José Maria da Fonseca. Com a turbulência pós 25 de Abril a terminar e a 6a geração da família a tomar os comandos da empresa foi a altura para consolidar os negócios da empresa. Assim a participação da empresa na marca Lancers foi vendida, saindo esta marca temporariamente do âmbito da José Maria da Fonseca. Com o resultado da venda, a operação e em especial as adegas foram modernizadas e foram realizadas algumas compras. Uma dessas compras foi um velho amor da família, a adega José de Sousa.
O primeiro registo existente da José de Sousa data de 1878 tendo sido encontrados, já após a compra pela José Maria da Fonseca, alguns rótulos antigos com essa data. A José de Sousa terá sido fundada por José de Sousa Faria e Mello e teve o seu período áureo sob a liderança do seu sobrinho-neto e afilhado José de Sousa Rosado Fernandes. Com o falecimento deste em 1969 a adega passou a ser gerida e pela sua esposa Julieta Almeida e Sá e pelo irmão desta que não foram capazes de manter a exploração mesmo nível das décadas anteriores.
Após a morte de Julieta Almeida e Sá, o seu irmão João de Almeida e Sá ficou como único responsável pela propriedade. Este até tinha gosto pela propriedade mas sendo um reputado ortopedista no Hospital de São João de Deus em Montemor-o-Novo não tinha tempo nem propensão para a gestão de uma propriedade agrícola pelo que decidiu vender a propriedade. Mas como achou que havia aqui um legado a preservar optou por ser ele a escolher um comprador que pudesse garantir a preservação deste legado. A primeira e única escolha foi a José Maria Fonseca que até andava à procura de expandir a sua atividade para o Alentejo no âmbito da reestruturação que tinha em curso. Foi assim que em 1986 surgiu esta oportunidade única de juntar à já rica história da José Maria da Fonseca mais um pedaço da história vínica portuguesa.
Ao chegar à propriedade encontraram uma vinha bastante mal tratada, os lagares antigos da adega cheios de entulho e lama e algumas talhas. Vinhos, só os das últimas colheitas que ainda não tinha sido colocados no mercado e que já não eram completamente representativos do historial da marca. Mais antigas só ficaram umas aguardentes velhas que não podem ser colocadas no mercado devido a conterem demasiado cobre. Havia que recuperar a propriedade e tentar recuperar algum conhecimento sobre o perfil destes vinhos no passado de maneira a manter a sua identidade.
A vinha velha da José de Sousa tem o pormenor curioso dos arames de suporte estarem instalados em pilares de pedra dando um aspeto menos habitual à vinha. Outro pormenor curioso é o facto de a vinha se encontrar murada por um muro de pedra. Numa altura de crise não havia trabalho na região e José de Sousa decidiu fazer o muro o para dar trabalho e rendimento aos homens da região. A vinha velha foi plantada em 1956 tendo portanto quase 60 anos o que para o Alentejo é considerável. Depois da morte de José de Sousa a vinha foi um pouco mal tratada e a ocupação no pós 25 de Abril também não ajudou tendo sido cometidos alguns erros, com a plantação de castas desadequadas em algumas falhas que existiam. Houve que a recuperar, arrancando algumas videiras menos adequadas e replantando as falhas.
A vinha é exclusivamente tinta, aparte de algumas videiras brancas misturadas na vinha velha sendo as castas dominantes Trincadeira, Aragonez e Grand Noir. A casta Grand Noir é uma casta tintureira irmã da Alicante Buschet também criada por Henri Bouschet. O pai de Henri Bouschet, Louis Bouschet de Bernard, criou a Petit Bouschet pelo cruzamento da Teinturier du Cher com a Aramon Noir. O seu filho voltou a cruzar a Petit Buschet com a Aramon Noir para dar origem ao Grand Noir. A Alicante Bouschet foi criado no mesmo ano por Henri Bouschet a partir do cruzamento da Petit Bouschet e da Grenache Tinta. O Domingos Soares Franco tem um grande apreço pela Grand Noir, que prefere em relação ao Alicante Bouschet, sendo ela uma das bases do encepamento da Herdade do Monte da Ribeira.
Outro dos grandes ex-libris da José de Sousa são a talhas onde é realizada a fermentação de alguns dos vinhos produzidos na propriedade. Quando tomou posse da propriedade encontrou uma dúzia de talhas enterradas em lama e entulho. Depois de limpar a adega a José Maria da Fonseca foi comprando talhas pela vizinhança num tempo em ninguém falava nem se interessava por talhas. Assim se fez a Adega dos Potes que conta actualmente com 140 talhas. Nem todas são usadas pois não gosto de algumas das talhas diz o Domingos Soares Franco. À parte das talhas a José Maria da Fonseca tem uma infrastrutura de vinificação na José de Sousa com lagares e depósitos de inox para a vinificação dos vinhos alentejanos de volume da José Maria da Fonseca.
O saber de como fazer uma talha destas dimensões está perdido por ora... Eram cozidas em duas peças em fornos debaixo de terra e seria necessário rodar as peças durante a cozedura mas não se sabe como tal seria feito. As duas metades eram unidas após a cozedura e também o saber de como cozer a união se perdeu. Nas talhas que partem ou rebentam durante as fermentações parecem identificar-se três camadas mas também não se sabe exatamente com isso seria feito. Periodicamente são untadas com pez para impermeabilização mas até esse conhecimento de como o fazer já é escasso. A mais novas destas talhas tem cerca de 100 anos e pelo que se sabe as últimas como estas a serem feitas no Alentejo foram feitas na década de quarenta do século passado. Era urgente que alguém fosse para o terreno para ainda tentar desenterrar da memória coletiva este saber que parece perdido.
Mas isto por hoje já vai longo... Deixo-vos por aqui e guardo os vinhos para uma próxima ocasião, prometo não demorar outros 8 meses...
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