A Tágide é desde algum tempo um clássico lisboeta que apesar de não andar nas bocas do mundo tem mantido um nível de qualidade muito consistente e uma clientela fiel. Apela a uma clientela relativamente conservadora que gosta de um serviço requintado e com alguma inovação desde que as suas referencias continuem bem presentes. É nesta matriz que o Nuno Diniz assume a liderança d'A Tágide.
O Nuno Diniz vem de uma longa associação ao restaurante da York House, espaço que me parecia ter algumas semelhanças com A Tágide no conceito, salvaguardando o facto de ser um restaurante de hotel o que trás sempre diferenças em termos de público. Um dos grandes focos do Nuno Diniz tem sido ultimamente a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa onde passa para uma nova geração o seu amplo conhecimento das técnicas, dos produtos e dos pratos da gastronomia portuguesa. Tem uma abordagem relativamente clássica dando primazia ao produto enquadrado em propostas que sem serem completamente convencionais assentam nas bases clássicas não tendo a rotura ou a diferenciação como fins por si próprios.
Um dos primeiros atos públicos desta associação foi um Jantar Vínico que contou com os vinhos da Niepoort que servia também como uma espécie de apresentação da nova carta d'A Tágide. O primeiro prato foi a Terrina de Foie Gras com Marmelo e Brioche, uma combinação ganhadora com o doce da massa do brioche e das passas que estavam na massa a cortarem a gordura do foie gras. A couve e o marmelo passaram um pouco ao lado com a couve a dar um pouco de textura e a marmelada a acompanhar o brioche na sua doçura. O vinho escolhido para acompanhar este prato foi o Niepoort Porto Branco 10 anos e fazia-o bastante bem esplorando também a ligação entre a doçura do vinho e o gordura do foie. Este Niepoort Porto Branco 10 anos mostrava-se laranja claro e com aromas ligeiros a laranja. Na boca mostrava uma acidez exuberante e ainda assim notava-se a doçura que acabava no entanto bem mediada pela acidez que lhe dava um ótimo comprimento de boca.
Seguiu-se o prato de peixe, o Peixe-Galo em Beurre Blanc, que estaria muito ligeiramente acima do ponto ideal para mim sem que isso prejudicasse o prato. Muito bem acompanhado pelo puré de batata e por o que parecia ser uma espécie de vinagrete que deveria ter sumo de laranja que liga sempre muito bem com estes peixes de carne branca e com mais sabor a mar. Escondidos no puré havia ainda uns grelos que tinham como objectivo dar textura ao acompanhamento e que cumprindo essa função apresentavam o problema não se cortarem facilmente o que acabava dificultar a sua abordagem. Foi, para mim, o prato da noite embora a luta com o prato de carne tenha sido acesa. A acompanhar o prato de peixe tínhamos o Redoma Branco 2014. O Redoma Branco 2014 mostrava-se amarelo claro ligeiramente esverdeado e com aromas minerais e um ligeiro cítrico. Na boca mostra boa acidez e um ligeiro vegetal. Pareceu-me notar uma ligeira doçura que acabava por lhe dar mais algum corpo na boca. É um grande vinho que já dá muito prazer e que ligou muito bem com o prato mas sempre que bebo vinhos como este tão novos fico sempre com um peso na consciência por estar a cometer a mais infame pedofilia vínica.
Seguiu-se como prato de carne a Bochecha de Vitela Barrosã que comentava-se tinha exigido o sacrifício de umas dezenas de vacas só para aquele jantar. Não é um corte habitual sendo bem mais comuns as bochechas de porco. Curiosa esta carne com sabores bem mais intensos do que a carne de vaca corrente mostrando um ligeiro amargor e um perfil de sabor que acabava por estar mais perto do cabrito do que da carne de vaca corrente. Confesso que neste tipo de carnes que prefiro que sejam submetidas a marinadas longas de maneira a retirar-lhes um pouco dessa sua rusticidade, mas sei que muita gente prefere te-la assim com sabores mais intensos e rústicos. Era assim um prato muito interessante pela novidade mas ao mesmo tempo um prato cheio de conforto.
Para acompanhar este prato havia dois vinhos para comparar a harmonização, o Redoma Tinto 2013 e o Conciso 2012. O Conciso é um Dão da Niepoort e à partida deveria ser uma melhor escolha em termos de harmonização tendo em conta o sabor forte da carne que deveria harmonizar bem com um vinho com boa acidez, alguns taninos e com aromas menos exuberantes e mais diretos como é habitual no Dão. O Conciso mostrava-se granada translucido com laivos violeta, aromas químicos com alguma terra molhada e algum floral proporcionando um conjunto algo exuberante no nariz. Na boca mostrava uma acidez também exuberante que lhe dava frescura mas também alguma sensação de verde. Acabei por acha-lo um pouco exuberante demais tornando-se uma distração com o prato. É um vinho que tem um perfil um pouco atípico que é e será um grande vinho mas para mim ainda está demasiado jovem. Mas muita gente gostará dele já assim. O Redoma pareceu-me mais próximo daquilo que seria para mim o ponto ideal de consumo mostrando-se granada translúcido com laivos violeta, com aromas balsâmicos e algumas violetas. Na boca mostrava boa acidez e taninos ligeiros muito elegantes. Acabei por preferi-lo tanto a solo como com o prato pois apesar do seu perfil parecer menos ajustado ao prato não tinha a exuberância do Conciso que para mim se revelou algo dissonante com o prato.
A sobremesa vinha pela mão de Francisco Siopa e apresentava uma Babá com Porto com Pêra Rocha a dois tempos e Frutos Secos. A pêra julgo ter sido embebedada com o vinho com que foi servida sendo acompanhada por uma babá que além do habitual rum também tinha o mesmo vinho. A Babá ou Babá ao Rum é um bolo tradicional napolitano em que a massa é embebida em rum. O conjunto resultava numa sobremesa muito elegante em que os frutos secos secos acrescentavam textura e sabores muito interessantes. O Niepoort Colheita 2005 mostrava-se acobreado, revelando aromas de frutos secos não muito exuberantes. Na boca mostrava boa acidez que proporcionava um bom comprimento de boca. Para fechar a refeição ainda foi servido um Niepoort LBV 2011 juntamente com excelentes trufas também feitas pela Siopa Chocolatier. O LBV mostrava-se Ruby opaco com laivos violeta e com aromas algo fechados com alguns aromas florais com a violeta a destacar-se. Na boca mostra uma acidez ligeira e alguns taninos a deixar revelar a juventude deste LBV.
A associação entre o chef Nuno Diniz e A Tágide parece assim ter tudo para dar resultado e parece poder proporcionar um encontro gracioso entre a técnica e primazia ao produto do chef Nuno Diniz e o desejo de refinamento e qualidade da fiel clientela d'A Tágide. O chef Nuno Diniz vai continuar n'A Tágide uma tradição iniciada há uns anos com a realização de 2 ou 3 almoços de cozido todos os anos. O primeiro será já em Janeiro, não sei se ainda valerá a pena correr a reservar pois no dia deste jantar já haveria poucos lugares, mas não perdem nada em tentar...
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