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Adega Mãe Reloaded

Há umas semanas atrás fui juntamente com um grupo de outros bloggers visitar a Adega Mãe em Torres Vedras. A produzir desde 2010 e tendo sido a adega inaugurada em 2011, a Adega Mãe nasceu no seio do grupo familiar Riberalves. O Grupo Riberalves, fundado em 1985 pela família Alves, é líder de mercado na importação, transformação e comercialização de bacalhau em Portugal.

Adega Mãe Reloaded - reservarecomendada.blogspot.pt

O vinho parece vir de uma paixão antiga da família e sendo originaria da zona de Torres Vedras foi na Quinta da Archeira na Ventosa que decidiram implantar a Adega Mãe e as vinhas onde é produzida a uva vinificada na adega. A adega construída de raiz sob projeto do arquiteto Pedro Mateus pela Riberalves Imobiliária, tornou-se um marco na paisagem da quinta da Archeira devido a quase parecer estar suspensa na encosta onde parte da vinha está implantada.


Fomos recebidos por Bernardo Alves, filho do casal fundador do grupo Riberalves e que assume a gestão da Adega Mãe, e por Diogo Lopes, responsável pela enologia juntamente com Anselmo Mendes. Logo à entrada na adega percebe-se a vocação enoturística que este projeto também tem. Na receção que funciona também como loja percebe-se que está montada uma boa infraestrutura de acolhimento de visitantes mesmo se forem visitantes ocasionais sem pré-anúncio, podendo-se realizar visitas, comprar e provar os vinhos da adega.




Passámos à adega e logo se foram revelando alguns pormenores que mostram por um lado o investimento que foi feito pelo grupo neste projeto e por outro que nada foi deixado ao acaso para a adega seja extremamente funcional sem descurar a componente enoturística. A receção das uvas é feita dentro da própria adega entrando os veículos de transporte numa entrada lateral e saindo vazios pelo outra lateral, protegendo as uvas de poeiras, chuva ou sol durante o descarregamento. Ao longo da adega existem vários pontos com televisões em que é possível assistir a pequenos vídeos sobre o grupo, a adega e o processo de produção de vinho que são usados para apoiar a visitas à adega.




Junto a umas das portas laterais usadas pelo veículos de transporte de uva encontrava-se um dóri usado na pesca do bacalhau ao serviço do Creoula que atualmente é um navio de treino de mar da Marinha Portuguesa. O Creoula foi mandado construir pela Parceria Geral de Pescarias nos estaleiros da CUF para servir como bacalhoeiro entre 1937 e 1973. A Parceria Geral de Pescarias teve com a família Alves e a Riberalves uma relação muito estreita entre 1975 e 1999. A família Alves e a Riberalves tornou-se o maior cliente da Parceria Geral de Pescarias e a partir de 1990 estabeleceu-se uma parceria ainda mais forte com a Riberalves a iniciar importação de bacalhau que transformava nas instalações da Parceria Geral de Pescarias no Barreiro. Nestas instalações localizadas nas margens do rio Coina, no mesmo local onde nos tempos dos descobrimentos existia um estaleiro naval, era descarregado e transformado o bacalhau capturado nos bacalhoeiros da Parceria Geral de Pescarias como o Creoula.


Em finais 1999 a gestão da Parceria Geral de Pescarias decidiu sair do negócio do bacalhau e liquidar a empresa devido à quase extinção da frota portuguesa do bacalhau e a terem optado por não enveredar pela importação de bacalhau. A Riberalves continuou o legado da Parceria Geral de Pescarias mantendo a operação de transformação de bacalhau nas instalações do Barreiro até 2005. Em 2005 a Riberalves terá transferido as suas operações nesta região para a Comimba, na Moita, que tinha adquirido em 2002. Assim o Creoula e este dóri fazem parte da história da pesca do bacalhau em Portugal e da história da própria Riberalves. Tudo isto levou a Adega Mãe a usar o dóri, na sua grafia inglesa (Dory), para sua marca principal. Este dóri que aqui estava terá servido de inspiração para os rótulos do vinhos da marca Dory e será restaurado para ocupar um lugar de destaque na Adega Mãe como artefacto histórico que é.



A sala das barricas encontra-se encostada à muralha de betão que sustenta as terras da encosta onde a adega está implantada estando assim enterrada ao abrigo de flutuações de temperatura prejudiciais ao estágio do vinho nas barricas. Este "sistema" passivo de climatização é complementado um sistema ativo que dispõe mesmo de aspersores para controlar os níveis de humidade que até agora nunca foram ativados.





A sala de provas é mais um exemplo do extremo detalhe que presidiu ao desenho e construção desta adega. Pormenores com a existência de caixas de luz para poder avaliar adequadamente a cor dos vinhos e cuspideiras retrateis escondidas numa espécie de gaveta debaixo da mesa não são habituais e tornam esta sala numa referencia.


Foram provados 7 vinhos, 5 brancos e 2 tintos, pertencendo a 3 gamas distintas: a gama Dory Colheita, os monocastas Adega Mãe e o Dory Reserva.

Começamos com o Dory Colheita Branco 2012, um lote com Arinto, Viogner e Fernão Pires. Com uma cor amarelo pálido com laivos esverdeados, trazia ao nariz aromas tropicais como ananás. Na boca mostrava uma acidez algo contida e com um perfil ligeiro e descomprometido. Uma boa relação qualidade preço para beber despreocupadamente.


Provamos de seguida o Adega Mãe Alvarinho 2012 e vou aproveitar esta ocasião para destruir de uma vez por todas qualquer reputação que eu ou este blogue pudesse ter. Vamos lá ver se algum produtor me volta a convidar para provas depois desta... A descrição da prova deste vinho exigirá do leitor uma colaboração especial:

Esta é a sua última oportunidade. Depois disto não há volta a dar. Se tomar o comprimido azul verá a realidade como todos os outros e a minha reputação continuará intacta. Se tomar o comprimido vermelho verá uma realidade paralela tal como eu a vejo e mostrar-lhe-ei quão profundo é o meu purgatório. Lembre-se, tudo o que ofereço é a minha verdade, nada mais.

Cor amarelo pálido ligeiramente esverdeado, aromas tropicais pouco exuberantes complementados por alguns citrinos. Na boca uma acidez exuberante que lhe dá longevidade na boca e com um cariz marcadamente mineral. Um alvarinho diferente que parece ter ganho algumas das características do terroir o que o torna muito interessante. Parece ter um bom potencial de guarda.

Cor amarelo pálido ligeiramente esverdeado,... Ergh?... Oh, não!... Um vinho tupperware... Eu explico... Tupperware é o nome "carinhoso" que eu dou a um aroma químico e de redução que me faz lembrar o cheiro que por vezes fica em alimentos guardados demasiado tempo nestes míticos recipientes de cozinha. Já me tinha deparado com isto duas ou três vezes mas como tinham sido vinhos provados em casa não tinha ligado muito, pensei que os vinhos fossem mesmo assim e que fosse uma questão de gosto pessoal. Mas desta vez estava ali juntamente com mais 6 provadores experientes todos a tecerem louvores a um vinho que a mim só o cheiro me incomodava. Andei ali à volta do copo em silencio, agitei o copo para ver se aquilo passava, provei os outros vinhos, voltei ao alvarinho mas não havia volta dar, não conseguia tirar dali nenhum descritor aromático que não fosse aquele cheiro incomodativo que me matava completamente a prova... Fiquei a matutar naquilo nos dias seguintes à prova e depois de um pouco de investigação e reflexão não foi difícil chegar a uma conclusão acerca da provável razão para este paradoxo organolético.

No primeiro curso de iniciação à prova de vinhos que fiz apareceu por ali um vinho branco relativamente novo que ao aproximar o copo do nariz me trouxe imediatamente aromas característicos da presença de sulfuroso (enxofre, couves, ovos podres...). A Cláudia Favinha que estava a dar o curso estranhou pois nem ela nem mais nenhuma das outras pessoas no curso sentia tal coisa. Um enólogo amigo da Cláudia que a estava a apoiar durante o curso (cujo nome não me recordo), notou uma presença muito ligeira de sulfuroso e lembrou que uma pequena percentagem da população humana (inferior a 5%) têm uma sensibilidade exagerada as estes aromas. Em concentrações que para a maioria das pessoas não são percetíveis ou limitam-se a dar um caracter mais mineral aos vinhos, para uma minoria essa pequena concentração é suficiente para que os aromas a sulfuroso se sobreponham a quaisquer outros... Parece que eu teria sido um dos "felizes" contemplados nesta lotaria cósmica... Acho que preferia o Euromilhões...

O sulfuroso (ou sulfitos) é usado antes do engarrafamento para estabilizar o vinho e se uma garrafa for aberta pouco tempo depois do engarrafamento poderá apresentar os aromas característicos deste. Não costuma ser uma questão grave, pois com o tempo de garrafa estes aromas tenderão a desaparecer, por vezes basta arejar o vinho para os fazer desaparecer podendo não ocorrer em todas as garrafas. Até agora ainda não tinha associado o aroma que encontrei aqui ao sulfuroso pois o seu perfil apesar de ter alguns pontos em comum é um pouco diferente dos aromas mais característicos deste. Mas a conclusão a que chego retrospetivamente é que só poderá ser esta a razão. Assim se forem pessoas com um olfato normal tomem a nota de prova a azul como referencia pois não deverá andar muito longe da vossa perceção. Eu confesso que desejava provar o vinho tal como está descrito nessa nota de prova pois parece-me que iria gostar bastante dele. Mas por agora não resta outra coisa senão guardar a garrafa que tenho aqui em casa para abrir daqui a uns tempos. Entretanto estes aromas deverão ter desaparecido e eu poderei provar este vinho em toda a sua plenitude.



Agora que já pusemos esta questão para trás das costas vamos fingir que os últimos parágrafos não aconteceram e passar ao próximo monocasta, o Adega Mãe Viosinho 2012. Uma casta característica do Douro que ultimamente tem aparecido com muita frequência mais a sul. Apresenta também uma cor amarelo esverdeada um pouco mais pálida que todos os outros brancos. Aromas citrinos complementados por um toque de ananás. Acidez contida e elegante. Muito interessante embora se revele um pouco ligeiro. Poderá vir a crescer com o passar do tempo.

O Adega Mãe Chardonnay 2012 continuava no mesmo registo em termos de tonalidade mas com um pouco mais de cor. Achei-o um pouco fechado em termos de aroma embora deixasse revelar algumas notas de fruta madura. Já na boca se revelava mais intenso com alguma gordura e uma acidez contida mas polida e elegante.

Para fechar os brancos tínhamos o Adega Mãe Viogner 2012. Sendo o único branco com madeira era também aquele que mais cor apresentava. Muito aromático no nariz revelando aromas a mel com algumas notas a tosta. A acidez não era muito expressiva mas revelava-se meloso e guloso na boca com um toque vegetal que equilibrava o conjunto. A madeira era bastante evidente embora não dominasse em excesso o conjunto. Foi o meu branco preferido embora não fosse consensual.


De seguida chegaram os tintos com o Dory Colheita Tinto 2011. Feito com um lote de Aragonez, Syrah e Caladoc, apresentava uma cor granada praticamente opaco e revelou alguns aromas a fruta madura. Com acidez ligeira e taninos muito redondos revelou-se muito aveludado na boca. Um vinho simples e fácil de gostar com uma relação qualidade preço muito boa.

Já o Dory Reserva Tinto 2010 é feito com um lote de Touriga Nacional e Syrah. Com uma cor um pouco mais carregada do que o Colheita, revela também alguma fruta madura mas agora complementada por algum chocolate. Acidez ligeira e elegante com um toque vegetal e taninos que lhe davam estrutura. Muito interessante embora me pareça que não vai ficar a perder com mais algum tempo em garrafa.

No geral os filhos desta Adega Mãe apresentam um nível qualitativo bastante interessante e com relações qualidade preço muito boas. Especial destaque para os brancos que neste momento dominam o portfolio da adega e deixam alguma curiosidade para o Dory Reserva Branco cujo lançamento deverá estar para breve. No entanto este domínio dos brancos deverá ser anulado durante o próximo ano com o lançamento dos monocastas tintos que completarão o portfolio. Há pormenores a corrigir e a melhorar, fruto de uma adega e vinha jovem cujas potencialidades ainda estão por explorar em toda a sua extensão. Alguns vinhos penso que beneficiavam de um tempo maior de estágio em garrafa mas é compreensível que sendo uma adega nova que se deseje colocar os produtos no mercado tão cedo quanto possível para poder ter uma gama abrangente e dar visibilidade às marcas.


Passámos a uma das salas principais da componente enoturística da adega onde tínhamos o almoço à nossa espera. Uma sala com muita luz que dava acesso a uma enorme varanda que se estende em toda a largura da adega com uma vista privilegiada sobre a vinha. Inevitavelmente numa casa com esta herança a refeição teria de passar pelo bacalhau.


Na mesa já se encontravam os pastelinhos de bacalhau acompanhados por azeitonas e queijo de cabra. Os pastelinhos de bacalhau mostravam uma leveza e textura que me cativou especialmente sendo dos melhores que provei nos últimos tempos. Todos os vinhos encontravam-se disponíveis para prova durante a refeição sendo possível testar quais deles ligavam melhor com os pratos.


Como prato principal tínhamos uma épica posta de bacalhau assado acompanhada por batatinhas assadas, tudo regado com azeite também produzido pela família Alves. Por esta altura a conversa divergiu naturalmente do vinho para passar para o bacalhau e dizia-nos o Bernardo que um dos maiores problemas da confeção do bacalhau é que normalmente se cozinha demais o bacalhau. Eu que sou um bocado taliban com os pontos de cozedura dos peixes, tenho o ponto de cozedura do bacalhau como uma das minhas grandes lutas cada vez que o cozinho pois é extraordinariamente fácil deixar passar o ponto de cozedura do bacalhau. O tempo de cozedura do bacalhau é bem mais curto do que a sua textura seca e salgada nos leva a pensar levando a estes excessos de cozedura. Mesmo esta posta assada que estava no limiar da perfeição, pareceu-me que podia ainda beneficiar de menos uns minutos de cozedura. Mas talvez essa sensação possa ter mais ver com o facto de se tratar de bacalhau assado e eu normalmente fazer o bacalhau confitado em azeite no forno ficando com uma textura ligeiramente diferente e guardando mais humidade. E afinal de contas quem sou eu para questionar o ponto de cozedura do bacalhau com aqueles que serão os melhores especialistas em bacalhau do país e provavelmente do mundo.


Como sobremesa tivemos um bolo de chocolate com gelado de nata e um doce de frutos vermelhos (provavelmente framboesas). Combinações clássicas que funcionam sempre bem. Quanto ao vinho eu acabei por acompanhar o bacalhau fundamentalmente com os brancos com destaque para o Viogner. Apesar de tradicionalmente ser considerado que o bacalhau normalmente combina melhor com tintos eu normalmente prefiro acompanha-lo com brancos mais estruturados. Acabei por guardar o Dory Reserva para a sobremesa tendo este desempenhado adequadamente esse papel.


Ainda houve tempo para provar mais uma das vertentes do grupo Riberalves no excelente café Novo Dia que foi servido a terminar a refeição. Esta marca que já faz parte do grupo há alguns anos é uma marca com história na região sendo herdeira da Central Cafeeira de Torres Vedras. Mas que é pouco conhecida fora da região existindo planos para tentar expandir a sua abrangência geográfica nos próximos tempos.


Este projeto não seria possível nestes moldes sem estar integrado num grupo como o grupo Riberalves, mas há uma grande lucidez na abordagem do mercado conjugada com um grande respeito pelos produtos e pela sua qualidade. Nota-se a paixão pelo vinho mas esta paixão parece estar bem alicerçada num grande pragmatismo. A Adega Mãe tem tudo para se tornar rapidamente uma referencia na produção vinícola da região.


Gordon Ramsay - www.wook.pt

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