O turismo e o lazer por sua vez nunca foram muito acarinhados pois fugiam à imagem austera do regime. No pós 25 de Abril o turismo foi visto como uma fonte fácil de riqueza e como todas as fomes que dão em fartura, cresceu desregradamente e sem critério até que começou a faltar sustentabilidade ao que veio a chamar-se Turismo de Pé Descalço. Esta fase, apesar da desordem urbanística que trouxe, teve o condão de criar uma base para uma infraestrutura turística que foi capaz de suprir nos anos seguintes uma procura interna sedenta de lazer. Depois de alguma estagnação, hoje assiste-se a um novo fulgor do turismo em Portugal mas de uma maneira que parece bem mais sustentada, diversificada e consistente do que no passado. Se me permitem a ousadia, vejo mesmo o turismo como aquela que será no futuro a principal força motriz da economia portuguesa.
Temos de perder as ilusões acerca de podermos vir a tornar-nos uma potencia industrial. Algumas das nossas industrias tradicionais, como o textil, calçado, até conseguiram adaptar-se bem e criar valor acrescentado mas acabam por ser excepções. O nosso modelo económico terá de passar por alavancar a economia por via do turismo e do lazer. Nesse âmbito vejo uma dinâmica em que além da receita criada diretamente pelo turismo, o turismo dará a conhecer a nossa gastronomia e os nossos produtos agro-industriais, e a indústria agro-industrial terá de alimentar o consumo interno gerado pelo turismo e poderão encontrar novos mercados no países de origem dos nossos visitantes. Vejo grande potencial no turismo de saúde e dada a já grande percentagem de utentes estrangeiros no nossos hospitais privados não percebo porquê é que ainda não foi criado um grande centro hospitalar privado no Algarve que pudesse atacar este mercado. Vejo Portugal com potencial para atrair estudantes estrangeiros devido à combinação de uma boa qualidade de vida com o ensino de qualidade das nossas universidades. A Fundação Champalimaud mostrou também que há potencial para trazer investigadores com reconhecimento mundial para fazer investigação em Portugal e parece haver muito potencial para a vinda para Portugal de jovens e menos jovens investidores na área das novas tecnologias beneficiado de boas infraestruturas de comunicação e de uma boa qualidade de vida.
O Turismo de Portugal já começou a perceber o potencial desta dinâmica e tem vindo a apostar na promoção da gastronomia e restauração portuguesas fora de portas como fator de atração turística e o evento Taste Portugal London foi a expressão dessa aposta. Depois de um conjunto de eventos que levaram os chefes a trabalhar em Portugal e os nossos vinhos a Londres foi a vez de realizar o encerramento do programa em Portugal com dois jantares no Gusto by Heinz Beck no Conrad Algarve. O programa desta acção incluiu ainda uma press-trip para jornalistas do Reino Unido que percorreu Portugal de Norte a Sul e esta ultima etapa também tinha o seu quê de press-trip. Pessoalmente acho que as press-trips são um dos tipos de acções mais eficazes para a promoção do turismo e em especial do turismo gastronómico e enoturismo. Mais do qualquer tipo de publicidade ou acção, não há nada como um artigo jornalístico num orgão de comunicação respeitado a descrever a experiência de visitar Portugal para nos promover fora de portas como destino turístico ou mesmo destino de vida.
Mas já chega da espuma dos dias e passemos ao que interessa. A convite da organização tive a oportunidade de participar no jantar de encerramento do Taste Portugal London no Gusto by Heinz Beck no Conrad Algarve. O restaurante de Heinz Beck, La Pergolla no Hotel Rome Cavalieri é o único 3 estrelas Michelin de Roma e o Gusto é um das consultadorias de Heinz Beck que supervisiona o restaurante e onde é possível encontrar na carta pratos do La Pergolla. A ideia deste evento era passar em revista os pratos de alguns dos chefs que participaram neste evento quer como anfitriões quer como visitantes, harmonizados com vinhos portugueses escolhidos por alguns dos melhores escanções portugueses. A mesa onde jantei com um grupo de outros bloggers e jornalistas não permitia ter uma visão muito boa do resto da sala mas o que parecia uma desvantagem tornou esta experiência em algo único pois devido a isso tivemos o privilégio de ter à nossa mesa todos os chefs presentes no evento e beneficiar como mais ninguém da hospitalidade de Heinz Beck.
Começámos com um prato do próprio Heinz Beck, o Lírio marinado com Yuzo e Erva Príncipe, em Guacamole e Macaron de Soja, um prato a explorar a ligação vencedora entre o peixe, o cítrico e o guacamole. Marcou um começo seguro eficaz para a noite. Foi harmonizado pelo Sérgio Pereira, escanção da Vinalda com o Quinta da Calçada Edição Terroir 2012 que se apresentava amarelo esverdeado e com aromas ligeiros as flores brancas. Boa acidez, algum vegetal prolongando-se na boca. Este vinho tem origem na vinhas que circundam a Casa da Calçado que incluem aquelas que serão as mais velhas vinhas da região dos Verdes Verdes das quais existem registos fotográficos datados de 1927.
Continuamos com um prato de Heinz Beck, o Tonno Tonnato. O Tonno Tonnato é inspirado um prato frio italiano chamado Vitello Tonnato em que fatias de vitela são cobertas por uma pasta de atum com maionese e alcaparras. Este é um prato assinatura de Heinz Beck e que mostra como poucos pratos a sua "obsessão" por tornar os pratos mais saudáveis pela redução do seu nível calórico preservando os sabores. Esta "obsessão" chega ao ponto o Heinz Beck ter uma centrifugadora de laboratório na sua cozinha para poder separar os constituintes dos alimentos, retirar as partes más e reconstruí-los mais saudáveis. Neste prato não há vitela mas apenas atum fatiado sendo a pasta atum com maionese emulada pela mistura entre a neve de pasta de atum e a gelatina feita com as espinhas do próprio atum. Mesmo não conhecendo o prato original era fácil "reconhecer" como este seria e perceber quão brilhante era esta interpretação. Um prato de uma frescura extraordinária e pleno de sabor. Foi um dos pontos altos da refeição muito bem acompanhado pelo Quinta dos Roques Encruzado 2013 escolhido pelo António Lopes, o escanção da casa. Este o vinho deu-me a conhecer a casta Encruzado faz uns anos. Não mostrou agora a exuberância que me chamou a atenção nessa altura mas cedeu com a toda a elegância o protagonismo da ocasião ao prato que acompanhou. Mostrou-se dourado claro com aromas florais ligeiros onde se destacava a flor de laranjeira. A acidez não era muito exuberante sobrepondo-se a esta algum corpo e uma ligeira untuosidade que combinava muito bem com o prato.
O prato seguinte tinha a assinatura dos irmãos Chris e Jeff Galvin que são donos e chefes de vários restaurantes em Londres e em Edinburgo entre os quais o La Chapelle. O Raviolo de Lagostim com Funcho e Caviar, revelou-se um prato cheio de mar a fazer uso dos lagostins do Algarve que combinaram muito bem com o funcho e a salicornia. Um prato muito guloso a deixar água na boca apesar da porção até ser generosa para um menu deste género. Mas apesar disso quase via o protagonismo ser-lhe roubado pelo Dona Fátima Jampal 2013 escolhido pelo Ricardo Morais. Este vinho é uma singularidade, feito com uma casta que esteve em vias de extinção, é o único monocasta de Jampal do mundo que é feito com uvas da única vinha de Jampal certificada em Portugal. Produzido em Cheleiros que em meados do século passado tinha fama de produzir bons vinhos e que voltou a ser colocada no mapa do vinho português pela família Manz. Mostrou-se amarelo esverdeado, com aromas florais com as flores brancas a dominarem. Acidez não muito exuberante mas acompanhada por algum vegetal a conseguir um conjunto muito interessante. Até o Jeff Galvin estava impressionado com o vinho e prometeu tentar leva-lo para os seus restaurantes.
O prato seguinte seria sempre especial mas viria a revelar-se ainda mais especial algum tempo depois deste jantar. Foi trazido por Vincent Farges e mal sabia eu que este deverá tornar-se o último prato que comi do Vincent Farges como chef da Fortaleza do Guincho, agora que foi conhecida a sua saída. Era um Robalo ao Vapor, Tártaro de Murex e Ostra, Vegetais Novos com Pimenta Timut e Molho de Bergamota. Um grande prato do Vincent. Robalo no ponto a conversar alegremente com o molho de bergamota, a explorar a ligação entre peixe e citrinos que é mais habitual em peixes com mais sabor a mar como o salmonente mas que aqui funcionava também muito bem, bem mediada pelo tártaro que por sua vez piscava o olho à folha de ostra que o acompanhava. Foi servido com o Nossa Calcário 2011 também trazido pelo sommelier da casa, António Lopes. A ligação com o prato não resultou particularmente bem tendo o vinho ficado um pouco aquém das expectativas revelando-se menos vivo e não tendo conseguido sobressair em relação ao prato.
Terminámos a fase salgada da refeição com a Vitela Recheada com Frutos Secos e Cebola e Radicchio de Treviso. Um prato muito interessante mas que acabava por perder para os três pratos anteriores que tinham um nível muito elevado. Muito boa a ligação entre a doçura da vitela e da cebola com o amargor do Radichio. Quem sofria com a intensidade de sabor do radichio era o Quinta do Francês Tinto 2012 que tinha sido trazido pelo Nelson Marreiros, sommelier do Ocean. Apresentava-se granada com aromas ligeiros a terra. Algum vegetal na boca, mas aveludado com uma muito ligeira doçura e taninos ligeiros mas elegantes. Se bebido a solo ou com outro prato daria prazer mas aqui o amargor do radichio intensificava a sua doçura deixando o vinho mais quente e menos vivo.
A sobremesa vinha pela mão de Graham Hornigold, chef pasteleiro do restaurante Hakkasan em Londres que aqui contava com a ajuda de Henrique Sá Pessoa que é seu amigo pessoal do tempos em que o Henrique Sá Pessoa viveu em Londres no final dos anos noventa. Tratava-se de Chocolate de Leite, Passas de Madeira, com Alcaçuz e pedaços de Cacau, uma sobremesa de chocolate bem conseguida sem no entanto impressionar e fiquei com dúvidas da harmonização com o Desconhecido Campanário trazido pelo Sérgio Marques, sommelier do Il Gallo D'Oro. Na harmonização de generosos sou um bocado de estereótipos, e chocolate, mesmo sendo este de leite, é com Porto Ruby ou vinho tinto. Madeira normalmente liga melhor com sobremesas de ovos, amêndoa ou com alguma fruta. Este Madeira valia verdadeiramente pela emoção que trazia. Feito pela família do Sérgio Marques é Desconhecido por não se saber nem a casta nem o ano da colheita e é Campanário por ter origem na localidade madeirense desse nome. Era mais uma singularidade, esta praticamente irrepetivel pois não haverá muito mais que os demijohns que foram servidos nessa noite.
Por este dias o Heinz Beck andará aterefado por Milão na Expo 2015 a promover a alimentação saudável, a sua "obsessão". A Exposição Universal de Milão 2015 é dedicada à alimentação e é aquela que parece ter sido considerada pelo nosso governo como uma deriva à austeridade, até pareceria mal gastar dinheiro a promover a gastronomia e o turismo português em tempos de crise. Eu nem sei se o investimento seria recuperável a curto prazo mas quase todos os países mediterrânicos e países da CPLP, aqueles com que teremos mais afinidades alimentares e gastronómicas, acharam que valeria a pena. Para mim que considero o turismo, a gastronomia, os vinhos, a agricultura e qualidade de vida como as principais riquezas de Portugal que temos de potenciar custa-me a aceitar esta opção e a não participação parece-me uma oportunidade perdida. Mas também acredito que não será por isso que o turismo português e a notoriedade da gastronomia portuguesa não continuará a crescer independentemente deste ou daquele apoio institucional. Fica-me a dúvida, será que daqui umas semanas o FMI ou o BCE irá lá a Milão confiscar o pavilhão da Grécia?...
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