Atualmente o panorama vínico português sofre daquilo que se pode chamar de pedofilia vínica. Em vez de se valorizar a idade do vinho valoriza-se a novidade e rejeita-se vinho que ostente no rótulo mais de 2 ou 3 anos de idade e no branco isso ainda é levado mais ao extremo e qualquer vinho que não seja do ano anterior já é olhado com desconfiança.
O tempo em que se comprava vinho de determinado ano para guardar por longos anos até chegar ao seu auge já passou e agora o vinho chega ao mercado supostamente pronto a beber e não é raro terem-se dissabores quando se deixa uma garrafa esquecida na dispensa por alguns anos. Os produtores acabam por incentivar um pouco isto pois desta maneira vendem o vinho mais cedo e não o têm de o envelhecer nas suas adegas por longos anos. O que acaba por acontecer é que alguns vinhos são consumidos na sua infância sem realizarem o seu verdadeiro potencial.
Nos últimos anos têm-se verificado a tendência para a colocação dos vinhos no mercado "en primour" tal como acontece com os Bordeaux. Assim os vinhos tintos de topo são colocados no mercado cedo, em regra cerca de 2 anos após a colheita, podendo ainda não estar no seu melhor e beneficiando com um envelhecimento em garrafa feito nas garrafeiras ou pelo consumidor final. Pessoalmente não sou grande fã deste modelo pois por vezes os vinhos ainda não estão em condições de serem apreciados na sua plenitude o que poderá afastar destes vinhos consumidores menos atentos. Para os produtores isto permite um maior desafogo financeiro e menor imobilizado embora promova alguma especulação no retalho. Para o consumidor final que tenha condições de guarda pode permitir comprar grandes vinhos a melhores preços para consumir passados alguns anos.
Esta apetência pelos vinhos novos do mercado português também tem sido estimulada pela permissividade da regulamentação de rotulagem aplicada em Portugal. A única denominação para vinhos tranquilos que obriga a um estágio mínimo antes de ser colocado no mercado é a de "Garrafeira" que mesmo assim obriga apenas a um estágio de 30 meses para tinto e 12 meses para os brancos. A denominação "Reserva" não prevê qualquer período mínimo de estágio sendo o critério de classificação subjetivo. Pessoalmente acho que colocar no mercado um vinho com a denominação de "Reserva", 1 ou 2 anos após a colheita é um pouco enganador. Alem disto, a implementação de regras de rotulagem que incluam períodos mínimos de estágio poderia até valorizar denominações como a "Reserva" que atualmente é, por vezes, usada com pouco critério. Veja-se o caso espanhol que têm estágios mínimos regulamentados para os Crianza (24 meses para tintos e 18 meses para brancos), os Reserva (36 meses para tintos e 24 meses para brancos) e para os Gran Reserva (60 meses para tintos e 48 meses para brancos). Obviamente isto não aumentaria por si só a qualidade e o tempo de estágio dos vinhos mas penso que os produtores passariam a usar estas denominações com mais cuidado.
Muitos vinhos só começam a realizar o seu potencial, uns 5 anos após a colheita e poderão evoluir graciosamente durante décadas. Um vinho que possua uma boa acidez e uns taninos robustos terá normalmente uma boa capacidade de envelhecimento. O tempo torna o vinho mais delicado, suavizando os taninos, e provoca alguma oxidação que pode adicionar alguns aromas a frutos secos dando mais complexidade ao vinho. Normalmente são vinhos mais minerais e menos frutados. Mas nem todos os vinhos evoluem positivamente com o tempo e deve-se apenas guardar vinhos com um bom potencial de envelhecimento. Raramente um vinho mediano na sua juventude se torna um grande vinho com a idade.
O grande problema do envelhecimento do vinho é ter as condições adequadas para o guardar. Eu próprio já sofri alguns dissabores ao abrir algumas garrafas que ficaram demasiado tempo na "cozerem" em garagens. A realidade é que a maioria das pessoas não dispõe das melhores condições para armazenar vinhos nas suas casas. As garagens, sótãos e arrecadações são muitas vezes locais inóspitos onde as temperaturas podem ultrapassar os 30 graus no Verão. As nossas casas estão normalmente a temperaturas entre 20 e 25 graus que não sendo as piores condições estão longe de serem ideais. A minha arrecadação até é um sítio simpático com temperaturas entre 10 e 20 graus mas mesmo assim ainda não dispõe das condições ideais que seria uma temperatura constante entre 10 e 15 graus. Por isto normalmente não recomendo que se guarde o vinho durante muito tempo mas nos tempos atuais de fúria consumista em que só a novidade é valorizada e em que é difícil encontrar vinhos com mais de 5 anos no mercado até recomendo que se guardem 1 ou 2 garrafas de vinhos que gostem e que tenham potencial de envelhecimento para ver como evoluem com o tempo.
Além de permitir a avaliação evolução do vinho ao longo dos anos as provas de vinhos velhos podem proporcionar também a possibilidade de provar vinhos feitos por processos já é desuso, provenientes de vinhas já arrancadas ou feitos com castas extintas ou em extinção. A sua prova pode ser uma verdadeira viagem no tempo, uma mensagem numa garrafa vinda de outros tempos.
Em certos restaurantes e garrafeiras é possível encontrar vinhos mais antigos e muitas vezes a preços cordatos. Nos supermercados por vezes também aparecem vinhos um pouco mais velhos a bons preços como resultado de limpezas de armazém. É sempre um risco comprar um vinho velho e só se deve gastar somas elevadas tendo a garantia que o vinho em questão vale o preço quer por experiência própria quer por recomendação de pessoa de confiança. Mas muitas vezes encontram-se vinhos com 10 ou 20 anos com preços entre 5 e 10 euros e que vale pena comprar para experimentar o que pode ser um vinho velho. Se tiverem a possibilidade de provar vinhos mais velhos deem-lhes uma oportunidade e ponham de lado os vossos preconceitos. Pode ser que tenham algumas boas e agradáveis surpresas. Senão, pelo menos ficam a conhecer a diferença entre um vinho novo e um vinho velho.
Excelente post. Obrigado.
ResponderEliminarBelo Post. muito bem! concordo com muito boa parte!
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